Certa ocasião hospedei em minha casa aqui na cidade grande, um tio que, apesar
dos seus setenta e poucos anos de idade, nunca havia deixado a sua aldeia natal
que, por acaso, era também a minha. Todos os dias quando me levantava já o encontrava
devidamente banhado, penteado, escovado e, invariavelmente, sentado à janela
do apartamento. Fitava aquele desfile de automóveis aos seus pés, como se fosse
“a fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada de dentro da
sua cabeça”; parecia uma estátua: não se mexia e não falava absolutamente
nada.
Quando chegava do trabalho ainda o encontrava na mesma posição e só sabia que
ele teria tido outro interesse além daquele porque me diziam que às vezes usava
o banheiro. A princípio não julguei conveniente interferir, mas chegou um dia
em que a curiosidade superou a discrição: “Tio, o que o senhor vê desta janela
que tanto o atrai?” “Meu filho, há muito tempo tinha vontade de lhe perguntar
uma coisa, mas sentia muita cerimônia; agora que você perguntou primeiro
me responda, por favor: pra onde vai tanta gente?” Não consegui conter o riso,
mas fiz o que pude para disfarçar a fim de não constrangê-lo. Porém, à noite,
quando já me encontrava deitado e tentava conciliar o sono, passei a meditar
sobre a pergunta aparentemente ingênua do meu tio.
Fiquei a imaginar o que se passaria nas cabeças daquelas pessoas. Quantas se
sentiriam felizes? Nenhuma, por certo! Do contrário não sairiam em busca de
coisa alguma. Quantas estariam serenas? Pouquíssimas; talvez uma em mil, se
tanto, do contrário não buzinariam como loucas. Ademais, não creio que alguém
possa sentir serenidade em meio àquele tráfego caótico. Quantas estariam na
expectativa de alcançar algo que poderia melhorar as suas condições existenciais?
Todas, certamente.
Contudo, mesmo aquelas raríssimas que lograssem eventualmente pleno êxito em
suas buscas, pouco tempo depois também se frustrariam, pois descobririam que
nada daquilo fez diferença em suas vidas, tais qual uma criança quando recebe
um brinquedo pelo Natal ou pelo aniversário. O primeiro impacto é uma incrível
ventura. Parece que todos os ideais colimados foram, enfim, atingidos. Pouco
mais tarde descobrirão que nada daquilo as satisfez. Algumas chegarão mesmo
a cogitar: ”como fui ingênuo por anelar a tão insignificante projeto!”.
Mas, nada disto impede que aquele ideal frustrado seja imediatamente substituído
por outro, e depois por outro mais e mais outro. E assim sucessivamente, porque
aqueles pequenos objetivos e as suas respectivas frustrações ficaram para trás.
Foi só então que encontrei a resposta mais adequada; aquela que eu deveria ter
dado ao meu tio quando ele me perguntou: “Meu filho, pra onde vai tanta gente?”
“Sabe tio, essa gente vai para todos os lugares. E para nenhum!”