Há cerca de dois anos adotei um menino branco. A princípio me questionei
se estaria incorrendo num preconceito racial, mas logo tentei afastar esta idéia.
Gostei do menino branco porque gostei. Não iria, portanto, renunciar a
ele somente pelo escrúpulo de ser tachado de racista. A prova de que não
sou racista é que já havia adotado outro menino escurinho que, infelizmente,
foi acidentado e morreu. A princípio, este outro menino não me deu
muito trabalho, pois era bastante acomodado. Hoje, todavia, devo tomar alguma
providência, pois ele não me deixa mais escrever sossegado, comer
minhas refeições tranqüilamente como exijo, tomar banho, escovar
os dentes, e nem está mais me deixando sequer dormir. Fecho a porta do
quarto, mas ele fica batendo e chorando até que eu a abra.
Agora mesmo, enquanto estou teclando neste computador, ele está a exigir
atenção, afagos e carinho. Não me recuso a dar, mas há
de ter um limite. Se fosse fazer tudo o que ele deseja não teria mais tempo
para responder a um único e-mail. O problema está ficando cada vez
mais complicado e o que o torna assim, é que gosto muito dele e ele parece
também gostar bastante de mim. A cada dia o diabinho fica mais levado e
agora deu para tentar destruir os móveis da casa. Um comportamento dele
que acho por demais estranho, é que adora ser afagado, mas detesta ser
abraçado e beijado. Onde já se viu isto? Quando gosto de alguém
gosto de ser acariciado, mas também adoro receber carinhos. O pestinha,
não. Só quer "venha a nós"; "ao vosso reino",
nada.
Noutro dia andou a fazer cocô misturado com sangue e, como ele não
tem Unimed, tive de pagar consulta particular. Ainda bem que o doutor acertou
logo com o diagnóstico e o tratamento o pôs bom logo, além
de ter custado quase nada. A alimentação dele também é
diferenciada; não pode ser a mesma das pessoas da casa. Às vezes
quando esqueço de comprar a sua comida, tenho de apanhar o carro e voltar
para o supermercado apenas por causa disto.
Muitas pessoas acham estranho porque o "batizei" com este nome. Onde
já se viu pôr o nome de "menino" em alguém? "E
quando ele se tornar adulto, ainda continuará a ser chamado de 'menino'?"
É o que costumam me perguntar. Não sei, mas parece que este não
apenas "pegou" como também ele não teria gostado nada
se o chamassem por outro nome. Quando pronuncio a palavra "menino",
ele deixa tudo o que está a fazer e vem correndo. Quando o meu outro menino
caiu do meu sétimo andar, sofri demais, por isto, desde o dia em que adotei
este outro, mandei pôr tela em cada janela do apartamento.
Neste instante, o danado está a bater à porta mais uma vez. Pronto!
Abri-a. Passou a tocar minha perna com a mão, a pedir afago. Tive de interromper,
por alguns minutos, esta escrevinhação. O que é que eu faço
com este gatinho persa, meu Deus?