Quando eu era menino (menino, não, criança; menino ainda sou);
quando eu era criança, nunca havia escutado a palavra Presépio,
apesar de construir o meu todos os anos. Explico: é que, pelo menos lá
no sertão nordestino, esta palavra era praticamente desconhecida - em
seu lugar falava-se em Lapinha. Duvido que alguém
com menos de quarenta, mesmo morando naquela que foi a minha aldeia, saiba o
que significa este vocábulo. Como vêem, tudo muda com o passar
do tempo, inclusive o significado das palavras e o costume de se construir lapinhas.
Ou presépios.
As minhas lapinhas começavam a ser preparadas durante o mês de
Outubro porque era essencial que contivessem algo verde, de origem vegetal mesmo,
natural, ou seja, plantas de verdade; e a solução mais cômoda
e eficaz, se não a única, era um cultivo, em miniatura, de arroz.
Enchia-se uma lata de manteiga vazia com esterco; perfuravam-se orifícios
no tampo inferior a fim de servir de via de drenagem e semeava-se a Oriza
sativa, distribuindo regularmente as sementes pelo interior do adubo
a fim de que as folhas nascessem viçosas e uniformes. Esta técnica
agrícola doméstica foi-me repassada pela cozinheira, mas confesso
que só acreditei que daquela lata cheia de estrume brotariam folhinhas
verdes, tenras e delgadas, quando numa certa manhã ela me chamou para
ver com os meus próprios olhos. Como é fácil fazer uma
criança feliz! Quando vi as penugens verdes brotando daquela lata repleta
de cocô de vaca, senti uma alegria tão intensa que passei o dia
inteiro vigiando a fim de protegê-las e acreditar que eram mesmo de verdade,
pois desconfiava que alguém as teria inserido ali de propósito
para me pregar uma peça.
A construção, em si, da lapinha começava por volta do dia
cinco de Dezembro e o "alicerce" era uma mesa larga e comprida em
cuja superfície se espalhava uma camada de areia muito fina, de cerca
de cinco centímetros de profundidade e nela se inseriam as latas contendo
as folhas de arroz que, nesta época, já se encontravam bem crescidas.
No centro, havia uma pequena latada de madeira contendo a imagem do meu Salvador
recém-nascido deitado num amontoado de palhas e, a ladeá-lo, o
pai adotivo e a mãe. Eu me interrogava por que naquele tempo não
havia resguardo, pois a minha mãe quando tinha os
meus irmãos, passava cerca de 45 dias a caldo de galinha, vinho de mesa
e água inglesa - que eu nunca deixava de beber também escondido
o meu cálice todos os dias -, acamada dentro de um quarto saturado de
eflúvios de alfazema, servida sempre por uma criada especializada neste
mister e a quem aqui no Nordeste se conhece ainda hoje em dia por tratadeira;
terminava atribuindo aquele vigor físico da virgem mãe, a um milagre
a mais do Filho dela e de Deus.
Mas o que me fazia quase explodir de ingênua emoção infantil
era quando o Raimundo Banda - o eletricista da minha aldeia - vinha instalar
uma iluminação com diminutas lâmpadas a que chamávamos
foquitos, os quais ficavam, intermitentemente, a acender
e a apagar. Havia anos, quando as algibeiras do meu pai continham, por acaso,
uns trocados a mais (naquele tempo a palavra décimo terceiro salário
soava do mesmo modo que rabo de cutia), além dos foquitos,
havia também algumas lâmpadas multicoloridas cujo pisca-pisca era
a principal atração dos visitantes, pelo menos à primeira
vista.
Além de São José e de Nossa Senhora, havia sob a latada
- que era a verdadeira lapinha -, os três Reis Magos, alguns pastores,
animais domésticos e anjos dependurados da cumeeira e aos quais associei
de imediato quando vi, cerca de vinte anos mais tarde, aqueles que pendem do
teto da catedral de Brasília.
Nos arredores da latada havia também outros ornamentos como, por exemplo,
um "lago" também orlado de folhas de arroz, contendo peixinhos
de matéria plástica e uma "ponte" de tiras de madeira.
Recobrindo todo este maravilhoso engenho infantil, um vasto "céu"
de papel de seda, com uma meia lua central e salpicado de estrelas prateadas,
completava a beleza daquele brinquedo de Natal tão barato, mas, ao mesmo
tempo tão rico. E agora, tão saudoso.