Estou sem conexão com a Internet. Estou escrevendo isto porque não
consigo mais fazer outra coisa, neste horário, a não ser ficar
diante deste computador. Antes da Internet estaria absorvido na leitura de algum
livro. Provavelmente Eça, Machado, Pedro Nava ou quem sabe, um daqueles
autores descartáveis cujos livros se lê uma vez e se joga fora.
Sim, não posso negar; não sou hipócrita. Às vezes
leio também, nem eu mesmo sei para quê, alguns destes livros cujo
destino, tal qual o do papel higiênico depois de usado, é o lixo.
Mas o propósito deste texto é especular um pouco sobre este costume
que chegou como uma autêntica revolução; para mim, a partir
de 1999. Estou, portanto, diante de um hábito compulsivo, não
resta a menor dúvida. A minha única hesitação é
quanto a este hábito ser ou não um vício. Tenho, portanto,
de apelar para o "Aurélio". "Vício: 1 - Defeito
grave que torna uma pessoa ou coisa inadequada para certos fins ou funções;
2 - Inclinação para o mal. 3 - Conduta ou costume nocivo ou condenável".
De acordo com estas definições, eu continuo a ignorar se sou ou
não um viciado em Internet, uma vez que não sei se este hábito
me "torna inadequado para certos fins ou funções; se me leva
a ter alguma inclinação para o mal; ou se torna a minha conduta
nociva ou condenável". Para tentar descobrir isto, obviamente, será
necessário saber o que faço enquanto estou navegando. Cerca de
oitenta por cento do tempo que passo diante deste computador é escrevendo,
lendo, conversando e pesquisando (pesquiso tudo o que o Google é capaz
de me informar: da biografia de uma poeta ao Museu do Vaticano; dos hotéis
onde já me hospedei no exterior ao efeito cósmico do pum de uma
lagarta). Os outros vinte por cento, reconheço, são pura vadiação.
Que tipo de vadiação? Qualquer coisa que também faria na
vida real e que não trouxesse nenhum proveito moral ou intelectual. Quem
sabe, até pior. Na vida real, talvez estivesse bebendo. Então
a indagação ainda persiste. Sou ou não um viciado em Internet?
Para terem uma idéia, a minha dependência é
tão intensa que agora mesmo parei de escrever a fim de ir conferir se
o meu modem já estaria habilitado. Como moro numa cidade onde o serviço
de Internet a cabo é um monopólio, ou seja, não há
qualquer concorrência, o modem continua desabilitado. Mas, veja-se que
a palavra dependência está assinalada em itálico.
O que quero dizer com isto é que - pelo menos de acordo com o "Aurélio"-
eu não sou um viciado em Internet, mas sim, um dependente
dela. Muita gente confunde vício e dependência.
Ambos, a meu ver, são perniciosos, mas o vício é muito
mais. A dependência à Internet jamais me levaria a praticar aquilo
de que um viciado é capaz. Mas, por outro lado, ela me torna escravo
de alguma coisa. E toda escravidão é subserviente, aviltante,
ignominiosa.
Cheguei, portanto à conclusão de que não sou um viciado
em Internet, mas sou um escravo dela. O que fazer, então, a fim de me
libertar destes grilhões? Como o vício, toda dependência
só tem um único tipo de cura: a extirpação do mal
pela raiz. Não adianta procurar esquecer, tentar achar outro tipo de
atividade, sublimar, ou seja lá o que for. Existem alguns hábitos
que são, simultaneamente, vício e dependência. O alcoolismo
é um deles. Desde que os males do alcoolismo se instalaram na sociedade
- ignoro quanto tempo faz, mas seguramente já há séculos
- nunca foi encontrada uma cura para ele. Ou seja, nunca se encontrou nada capaz
de extrair a raiz deste "Baobá", como aquele de "O Pequeno
Príncipe", de Exupèry. Contudo, existe uma coisa capaz de
controlar o seu desenvolvimento. Chama-se Psicoterapia de Grupo. É nada
mais, nada menos, do que praticam os Alcoólicos Anônimos, os "Neuróticos
Anônimos", os "Vigilantes do Peso", etc. Então vou
concluir - esperando que o meu modem já esteja habilitado - com uma sugestão.
Que tal criarmos milhares de grupos de "Internautas Anônimos"
a fim de nos libertarmos da dependência à Internet? Como ocorreriam
as reuniões? Ora, ainda precisa perguntar? Através da Internet,
evidentemente!