Quando Vinicius de Moraes enunciou aquela famosa sentença: "As feias
que me perdoem, mas beleza é fundamental", não creio que
ele estivesse se referindo apenas à aparência física de
uma mulher. O poetinha era inteligente demais para fazer uma declaração
tão absurda e preconceituosa quanto esta. Com efeito, o que é
a beleza? O que é o belo? Não irei apelar para os dicionários
- somente o "Aurélio" cita catorze definições.
Pretendo, então, dizer, em que consiste o meu conceito de belo, de uma
maneira geral e depois o que entendo por uma mulher bela (ou bonita).
Na minha ótica são muito belas as seguintes coisas: o mar, um
pôr-do-sol, uma flor, a aurora, um céu estrelado, uma verdejante
campina, um jardim. Até aqui penso que quase todo mundo haverá
de concordar comigo. Mas, para mim, também são belíssimos:
"O Grito", de Edvard Münch; a "Guernica" de Pablo Picasso
e "Os Burgueses de Calais", de Auguste Rodin. Será que todas
as pessoas consideram "bonitas" estas peças da arte plástica
moderna? Também considero de uma beleza estarrecedora coisas aparentemente
contraditórias: um dia ensolarado e chuva forte preste a desabar; a placidez
de uma criança dormindo e o seu alarido, o seu riso, algumas das suas
travessuras; a brancura dos Alpes cobertos pela neve e a majestosa paisagem
de Verão dos "Dolomitas"; aquelas cenas da procissão
do filme "Estação Central" e Julie Andrews cantando
Edelweiss nas montanhas aos arredores de Salzburg. Tudo isto considero de uma
beleza estarrecedora e me atrai com a mesma intensidade.
O que é então uma bela mulher? Não há dúvida
alguma quanto à beleza física de uma Ava Gardner e de uma Ingrid
Bergman durante os anos cinqüenta, à de uma Cláudia Cardinale
nos anos sessenta ou à de uma Sophia Loren até os dias atuais.
Mas será que somente elas ou outras mulheres semelhantes a elas podem
ser chamadas de bonitas? Podem não acreditar, mas beleza feminina para
mim não é somente isso. Beleza feminina é um conjunto onde
participam além da aparência física, a sensualidade, o caráter,
a inteligência, a bondade, a capacidade de amar e ser amada, a fidelidade,
a lealdade (este atributo cada vez mais raro hoje em dia), o dom de saber oferecer
e receber carinho e até - ou principalmente - o seu comportamento na
cama.
Seria uma hipocrisia se declarasse que não me sinto atraído pela
Cindy Crawford, pela Demi Moore, pela Sharon Stone, ou pela Julia Roberts. Não!
Gostaria demais de possuí-las, mas sob a forma de uma tela encaixilhada
numa elegante moldura pendurada na parede da minha sala ou do meu quarto de
dormir. Juro como isto não tem nada a ver com a fábula "A
Raposa e as Uvas" de La Fontaine. Até poderia desejá-las
com ardor se tivesse certeza de que alguma delas me faria feliz e realizado
sexualmente pelo menos por uma noite de amor. Contudo, diante de algumas experiências
que já tive na vida, haveria de preferir mil vezes aquelas mulheres não
tão formosas, mas que já realizaram, na prática, todas
as minhas mais caras fantasias e com quem mantive agradabilíssimas interações
sobre todos os aspectos, inclusive os de natureza intelectual. A menos que eu
tivesse uma compulsão para me comportar como aquele personagem, de uma
piada famosa, que sofria de disfunção erétil. Depois de
inúmeras tentativas sobreveio, a muito custo, uma ereção
e a mulher o apressou: "Vem logo!" "Vou nada, cê é
besta! Primeiro vou mostrar à negrada lá fora."
(07/06/2004)