Há poucos minutos recebi um e-mail de uma amiga, cujo computador teria
sido raqueado, ou coisa que o equivalha, e ela foi a um cybercafé
a fim de dar vazão ao seu vício (ou dependência) virtual,
e eu fiquei aqui a pensar com os meus botões - ou melhor, com os meus
zíperes, pois estou trajando uma indumentária de jogging, que
não tem botões -, como seria a vida se de repente sumissem para
sempre os computadores e a Internet? Pra começo de conversa, eu não
estaria escrevinhando isto, não apenas por que não seria possível
escrevinhar sobre algo que não existe, mas também porque não
"teria saco" para fazê-lo à mão ou em máquina
de escrever e nem teria como e nem para onde enviar as escrevinhações.
Depois perguntei a mim mesmo, em alto e bom som, como é o meu costume
fazer: "o que seria daquelas pessoas com bastante disponibilidade circunstancial
ou estrutural de tempo - para evitar o termo politicamente incorreto de desocupadas?"
Uma destas pessoas, certamente seria eu mesmo, e como já me conheço
um pouco, certamente estaria absorto na leitura de um livro de Pedro Nava, de
Machado de Assis de Eça de Queiroz ou de Paulo Coelho - quatro autores
geniais, igualmente importantes e de alto nível literário, especialmente
este último. Mas, o que seria de quem não gosta de ler? Sem dúvida
estaria a ver televisão, sobretudo novelas. Tudo bem. Mas se levarmos
em consideração não a inexistência prévia
da Internet, mas, pelo contrário, se esta há muito tempo já
existisse, todos fossem viciados, e ela subitamente desaparecesse para sempre.
Será que as circunstâncias seriam aquelas mesmas?
O que seria, por exemplo, daqueles que querem ser escrevinhadores por riba de
pau e de pedra - como é o meu caso - e não lembram ou nunca souberam
a grafia correta de ascensão, assunção, acessório,
ascensor, assessor, atraso, baliza, estender, extensão, espectador, expectativa,
chuchu, imprescindível, gorjeta, extrapolar, jenipapo, mezanino, percalço,
jia, e por aí afora, sem o Word para gritar na nossa cara: "Não
é assim não, sua mula. É assim!" Certo que haveria
os "Aurélios", mas muitas vezes estamos tão convictos
de que "exceção" se escreve com duplo "S"
que nem nos damos o trabalho de consultá-lo.
Ainda falando de escrevinhadores, será que iríamos nos resignar
a ter de abdicar daqueles quinze minutos de fama quando nossos - pelo menos
para nós mesmos - importantíssimos nomes apareciam no "Estadão",
"Jornal da Poesia", "Anjos de Prata", "Blocos On-line",
"AVBL", "Palavreiros", "Nave da Palavra", "Jornal
de Crônicas", "A Arte da Palavra", "A Garganta da
Serpente", "Alternância", "A Casa do Bruxo",
"O Caixote", para citar apenas alguns dos mais destacados? Voltaríamos
a ter "saco" para escrevinhar um texto do tamanho deste aqui amassando
montanhas de papel durante um dia inteiro e depois ficar esperando que alguma
revista se dignasse a publicá-lo no mínimo após noventa
dias?
E aquelas mensagens que já estamos acostumados a enviar num piscar de
olhos e ficar esperando no mesmo minuto pela resposta? Já pararam para
pensar em escrever à mão, pôr num envelope, ir à
agência mais próxima do correio, pegar uma fila para comprar o
selo, outra para a postagem e ouvir aquela pergunta mais do que chata: "simples
ou registrada?", apenas para se dizer a alguém que a amamos, e ficar
a esperar duas ou mais semanas a fim de ler: "eu também", ou
não receber resposta alguma, ou - o que é pior - "dá-te
a respeito; te enxerga!"
Faz pouco mais de dois lustros, mas será que alguém ainda se lembra
do tamanho das filas dos bancos quando o Color tomou posse e a poupança
do povo? Em 1990 cheguei a passar mais de duas horas numa destas filas a fim
de pagar uma mísera conta de luz, sob pena de ficar nas trevas, mercê
do corte por falta de pagamento.
Já se parou para pensar em quantos milhões de amantes virtuais
ficariam curtindo, simultaneamente, as suas dores de cotovelo, a solidão,
os desejos prementes insatisfeitos? Pelo menos aqueles cujas contas bancárias
não tivessem saldo suficiente para quitar uma conta telefônica
mensal milionária?
Convém meditar sobre tudo isto em vez de ficarmos a amaldiçoar
os "apagões" cibernéticos eventuais.