Quando vejo o que estou vendo neste exato momento, me ponho a pensar: se os
indivíduos não gostassem tanto de imitar uns aos outros, suas
vidas poderiam, no mínimo ser um pouco mais confortáveis. É
que são seis horas da tarde e estou sendo testemunha de um congestionamento
de tráfego de veículos que se estende por mais ou menos três
quilômetros. Isto em termos de desperdício material é muito
pouco se comparado ao desgaste emocional das pessoas. "Ora", diriam
alguns, "qual seria a solução a fim de se evitar tal estorvo?"
Muito simples: cortar a fabricação de veículos pela metade.
"Mas isto só iria aumentar o índice de desemprego, a violência
urbana; seria o caos generalizado". Então por que não se
cortar a fabricação de gente pela metade?
Outra solução menos radical e talvez mais sensata seria diferenciar
os horários das atividades comerciais, industriais, oficiais, religiosas,
liberais, aquisitivas e ociosas (como não existe atividade ociosa? Existe
sim; e numa intensidade de causar espanto). Por que esses expedientes deveriam
começar e terminar coincidentemente nos mesmos horários? Por que
todo mundo tem de imitar todo mundo? Por que o comércio e as igrejas,
por exemplo, têm, obrigatoriamente, de funcionar ao mesmo tempo? "Ora",
retrucariam os recalcitrantes, "aí sim, o desperdício e os
engarrafamentos seriam muito mais freqüentes, pois as pessoas deveriam
se deslocar para os mesmo lugares, várias vezes ao dia".
Mas, ainda existem alternativas. Claro que não me atreverei a sugerir
a solução mais absurda, estranha, exótica e intolerável,
como o uso dos transportes coletivos onde viajam aquelas pessoas mal cheirosas
e repugnantes; isto seria o cúmulo da falta de imaginação.
E nem a formação de grupos solidários de pessoas que moram
e trabalham próximo umas das outras e poderiam utilizar o mesmo veículo.
Isto nunca! Afinal, o individualismo é um direito constitucional tão
sagrado quanto o da vida. Quem iria se submeter a ter de renunciar ao seu próprio
automóvel para viajar no do vizinho? O espaço enorme que sobra
em cada veículo é fundamental a fim de se manter a privacidade.
Além do mais, se algum dos passageiros entender de parar numa esquina
a fim de comprar pão, por exemplo, quem suportaria ficar esperando? Ora
essa! E se um outro passar mal? Quem iria ter este incômodo de levá-lo
ao hospital mais próximo? Era só o que faltava!
Estas são hipóteses tão absurdas que não deveriam
sequer ser cogitadas nem mesmo em circunstâncias extremas. Contudo, existem
outras mais exeqüíveis, mais simples e ainda menos radicais do que
fabricar gente pela metade. Uma destas seria instituir o IPVPP imposto sobre
propriedade de pernas e de pés. Não existe o IPVA? Então
por que esta tolerância para com os pedestres? Por que este privilégio?
Como a maioria destes é de pessoas de baixa renda, poucas poderiam pagar
e deixariam de eguarem pelas ruas atrapalhando o trânsito. Só
com esta medida, certamente o fluxo de automóveis de passeio aumentaria
em mais de dez por cento a sua velocidade. Outra medida de efeito imediato seria
a proibição pura e simples do tráfego de ônibus -
sobretudo aqueles que servem os bairros proletários - pelas mesmas vias
dos automóveis de luxo. Esses tiranossauros seriam obrigados,
por lei, a trafegar apenas dentro dos limites dos próprios bairros a
que servem, facilitando assim a formação de guetos e a separação
formal (porque na prática ela já existe) entre as classes sociais.
Onde já se viu membros das classes A e B se misturarem com os da C e
D? Certo que esta prática há muito tempo já existe nos
chopinguecenters e nos seus arredores, mas deveria se estender a toda
a área urbana.
Como vêem, as soluções existem, são factíveis
e até já estão em pleno vigor em alguns setores das grandes
cidades. Está faltando somente transformá-las em leis e torná-las
obrigatórias e generalizadas.