A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Soluções Simples Para o Tráfego De Veículos

(Raymundo Silveira)

Quando vejo o que estou vendo neste exato momento, me ponho a pensar: se os indivíduos não gostassem tanto de imitar uns aos outros, suas vidas poderiam, no mínimo ser um pouco mais confortáveis. É que são seis horas da tarde e estou sendo testemunha de um congestionamento de tráfego de veículos que se estende por mais ou menos três quilômetros. Isto em termos de desperdício material é muito pouco se comparado ao desgaste emocional das pessoas. "Ora", diriam alguns, "qual seria a solução a fim de se evitar tal estorvo?" Muito simples: cortar a fabricação de veículos pela metade. "Mas isto só iria aumentar o índice de desemprego, a violência urbana; seria o caos generalizado". Então por que não se cortar a fabricação de gente pela metade?

Outra solução menos radical e talvez mais sensata seria diferenciar os horários das atividades comerciais, industriais, oficiais, religiosas, liberais, aquisitivas e ociosas (como não existe atividade ociosa? Existe sim; e numa intensidade de causar espanto). Por que esses expedientes deveriam começar e terminar coincidentemente nos mesmos horários? Por que todo mundo tem de imitar todo mundo? Por que o comércio e as igrejas, por exemplo, têm, obrigatoriamente, de funcionar ao mesmo tempo? "Ora", retrucariam os recalcitrantes, "aí sim, o desperdício e os engarrafamentos seriam muito mais freqüentes, pois as pessoas deveriam se deslocar para os mesmo lugares, várias vezes ao dia".

Mas, ainda existem alternativas. Claro que não me atreverei a sugerir a solução mais absurda, estranha, exótica e intolerável, como o uso dos transportes coletivos onde viajam aquelas pessoas mal cheirosas e repugnantes; isto seria o cúmulo da falta de imaginação. E nem a formação de grupos solidários de pessoas que moram e trabalham próximo umas das outras e poderiam utilizar o mesmo veículo. Isto nunca! Afinal, o individualismo é um direito constitucional tão sagrado quanto o da vida. Quem iria se submeter a ter de renunciar ao seu próprio automóvel para viajar no do vizinho? O espaço enorme que sobra em cada veículo é fundamental a fim de se manter a privacidade. Além do mais, se algum dos passageiros entender de parar numa esquina a fim de comprar pão, por exemplo, quem suportaria ficar esperando? Ora essa! E se um outro passar mal? Quem iria ter este incômodo de levá-lo ao hospital mais próximo? Era só o que faltava!

Estas são hipóteses tão absurdas que não deveriam sequer ser cogitadas nem mesmo em circunstâncias extremas. Contudo, existem outras mais exeqüíveis, mais simples e ainda menos radicais do que fabricar gente pela metade. Uma destas seria instituir o IPVPP imposto sobre propriedade de pernas e de pés. Não existe o IPVA? Então por que esta tolerância para com os pedestres? Por que este privilégio? Como a maioria destes é de pessoas de baixa renda, poucas poderiam pagar e deixariam de eguarem pelas ruas atrapalhando o trânsito. Só com esta medida, certamente o fluxo de automóveis de passeio aumentaria em mais de dez por cento a sua velocidade. Outra medida de efeito imediato seria a proibição pura e simples do tráfego de ônibus - sobretudo aqueles que servem os bairros proletários - pelas mesmas vias dos automóveis de luxo. Esses tiranossauros seriam obrigados, por lei, a trafegar apenas dentro dos limites dos próprios bairros a que servem, facilitando assim a formação de guetos e a separação formal (porque na prática ela já existe) entre as classes sociais. Onde já se viu membros das classes A e B se misturarem com os da C e D? Certo que esta prática há muito tempo já existe nos chopinguecenters e nos seus arredores, mas deveria se estender a toda a área urbana.

Como vêem, as soluções existem, são factíveis e até já estão em pleno vigor em alguns setores das grandes cidades. Está faltando somente transformá-las em leis e torná-las obrigatórias e generalizadas.

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