Acabo de chegar de uma microempresa que confecciona material de publicidade.
Aliás, nem de microempresa mereceria ser chamada, mas de angstronempresa,
pois o porte da sua atividade econômica é tão insignificante,
que para não ir à falência tem de aceitar qualquer tipo
e volume de encomendas. Quando eu disse que queria mandar fabricar meia dúzia
de adesivos, quatro camisetas, dez botons e duas pequenas placas de acrílico,
o funcionário achou mais do que normal, pois tais pedidos são
rotineiros. Mas, quando eu disse o que queria que fosse escrito no material,
o cara olhou pra minha cara me achando com cara de maluco.
Como já sei que ninguém vai adivinhar o que era, não irei
criar nenhuma atmosfera de expectativa, nem prometer prêmio algum. "Escreva
aí: 'Na cama, dormindo'". O sujeito que estava anotando as palavras
para mandar confeccionar os letreiros estacou subitamente e me pediu para continuar.
"Não, amigo; é só isto mesmo!" "Tem certeza
de que não está faltando nada?" "Tenho, sim: 'na cama,
dormindo'; é somente isto".
É que já não suporto mais responder a quem me pergunta
onde vou passar o reveillon. Se fosse somente este ano, tudo bem, até
toleraria ficar respondendo e nem mandaria fazer uma gravação
em fita cassete. Mas desde que me entendo por gente esta pergunta é mais
freqüente do que assalto, hoje em dia, no Rio e em São Paulo. Ainda
cogitei de mandar gravar a tal fita, mas cheguei à conclusão de
que os botons, as camisetas, os adesivos e as placas de acrílicos são
muito mais eficazes, porque nem perguntas há. Quando o meu interlocutor
pensar em fazê-la, a resposta já estará tão óbvia
que não haverá a menor condição para ele tomar a
iniciativa.
Sei muito bem em que estará pensando qualquer pessoa que estiver lendo
isto agora: "Que sujeito rabugento! O que custa responder?" Custa
quase nada e custa muito! Quase nada, porque ficar repetindo: "na cama,
dormindo; na cama dormindo; na cama dormindo", é muito mais tolerável
do que, por responder, por exemplo, a estas outras: "Onde vais passar a
Semana Santa?", "Como foi o teu Natal", "Vais viajar neste
feriadão?" "Como te foste de Carnaval?" "Muito calor,
né mesmo?" "E o Fortaleza empatou né rapaz?". E
custa demais, porque fico dando tratos à bola durante o resto do dia,
a fim de tentar descobrir a diferença entre a meia noite do dia 31 de
dezembro e o primeiro de janeiro, e o mesmo horário entre os dias quinze
e dezesseis de maio, por exemplo.
"Ora", haverá quem diga, "há muita diferença,
sim. Entre 31 de dezembro e primeiro de janeiro é a passagem do ano".
E daí? Para quem começou a contar a viagem da Terra em torno do
Sol em 15 de agosto, a passagem do ano será a meia noite do próximo
dia catorze de agosto. "Mas se convencionou estabelecer que o ano termina
no dia 31 de dezembro". Aí é onde está o busílis.
Quem convencionou? Quando? Onde? Antes da invenção do calendário
gregoriano era assim mesmo? Nos países do Oriente Médio e Extremo
Oriente também se convencionou isto?" E mesmo que tivessem convencionado,
que diferença de ordem prática isto significaria para mim? Acaso,
no dia primeiro de janeiro, em vez do Sol irá nascer uma outra estrela?
Pondo os fatos num plano mais real: nossa conta bancária - pelo menos
a minha que não fui para nenhum clube caro (e nem barato) - estará,
no dia primeiro de janeiro, com o saldo diferente do que estava no dia anterior?
Todavia, o que acho mesmo ridículo, é o comportamento de algumas
pessoas: queimam fogos de artifício, se abraçam (pensando mais
em si mesmas do que no outro, e como se só houvesse azo para a solidariedade
humana naquela noite), batem os sinos, tocam o hino nacional, algumas consultam
as cartas, os búzios, os adivinhos, os magos. Sei não, mas parece
que o ser humano é muito mais fácil de ser manipulado do que se
imagina. A facilidade com que a mídia deste país cria e destrói
mitos é apenas um exemplo. Também não foram, como muita
gente apregoa, os rigores do tratado de Versalhes que levaram uma nação
"civilizada" ao delírio e à carnificina. Nada disto!
Foram apenas a personalidade carismática e o poder de hipnotizar que
possuía um louco.