Não sei se os amantes do século XXI são mais felizes,
mas certamente praticam os seus atos amorosos entre gozos celestiais (e este
termo é usado aqui em todas as suas acepções), quando comparados
com os seus equivalentes dos meados, e até dos meados do segundo meado,
do século anterior. Motel, naquela época, era uma palavra que,
pelo menos para mim, vinha compulsoriamente antecedida do sobrenome americano
Bates e estava casada com Alfred Hitchcock, Anthony Perkins, Janet
Leigh, Vera Miles e o cadáver mumificado de uma velha.
Foi ontem, mas neste mês de Dezembro de 2003 estará fazendo quarenta
anos quando vi, pela primeira vez, esta palavra piscando num letreiro de uma
hospedaria sombria e solitária à margem de uma estrada. Não
saberia precisar exatamente o ano em que aquele vocábulo passou a ser
sinônimo de Paraíso. Refiro-me a Paraíso
por dois importantes motivos: primeiro porque me lembrei agora dos encontros
furtivos da Luisinha com o amante em O Primo Basílio, de
Eça de Queiroz; em segundo lugar porque, para a minha geração,
é um paraíso mesmo; já escutei com estas oiças
que o fogo consumirá (se Deus for servido), alguém chamar a um
deles de céuzinho.
E quando não existiam estes paraísos, hem pessoal
dos teens, dos twenties e, quem sabe, até dos thirties?
Já imaginaram o sufoco? Fusquinha? Certo! Mas já imaginaram o
sufoco? Faço questão de reiterar. São inúmeras as
palavras que associo à ausência absoluta até da idéia
de motéis com as finalidades insinuadas no início deste texto:
susto, suborno, estresse, surpresa, expectativa, tremores, medo... Só
não havia, em hipótese alguma, sequer a cogitação
do neologismo broxura, muito pelo contrário ainda não
inventaram nenhum viagra que seja capaz de competir com perigo, mistério,
recato...
Pensam que era fácil a um casal mesmo casado no padre, no civil
e nas forças armadas se hospedar num hotel familiar?
Para começo de conversa, tinha-se de preencher uma ficha muito mais detalhada
do que cadastro de assalariado em crediário de sapatarias. Depois, havia
sempre alguém encarregado de conferir carteira de identidade especialmente
as fotografias -, certidão de casamento, atestado de vida e residência,
folha corrida na polícia... Ia dizendo cpf, mas agora lembrei que esta
sigla, do mesmo modo que o vocábulo motel, era uma
equação com dezenas de incógnitas.
Mas, nem só de paraíso vivem os motéis;
quem duvidar, leia as páginas policiais e as colunas sociais de alguns
periódicos modernos, pois estão repletas de episódios constrangedores,
cômicos e até mesmo trágicos. Contudo, seria curioso, e
mesmo conveniente, se fizéssemos um balanço tipo risco / benefício
entre a época dos não motéis e a dos motéis. Antes
de 1970, quem seria capaz exceto, obviamente, um Aristóteles Onassis
- de desfrutar uma noitada de prazeres indescritíveis num ambiente que
possui tudo para competir, com enorme vantagem, com o Harém do Palácio
turco de Topkapi, por exemplo? Qual integrante da chamada classe média
poderia imaginar em 1960 que, pelo custo aproximado da metade de uma diária
de hotel cinco estrelas, fosse possível passar uma noite inteira afogando
e desafogando o ganso ou - para não ser taxado de machista - servindo
de afogador para o dito, num ambiente requintado; luxuoso; na maioria
dos casos, mil vezes mais confortável do que o seu próprio quarto
de dormir?
É! Decididamente, o prato direito da balança pesa muito mais
do que o outro. Não existem termos de comparação. Mas (há
sempre esta conjunção adversativa para atrapalhar), mas, apenas
uma perguntinha final: será que o principal fator para a concretização
das dulcíssimas batalhas entre Eros e Vênus no caso, o tesão
é tão intenso quanto nos tempos dos fusquinhas?