A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Abasaguadeio

(Raymundo Silveira)

Existem muitas coisas estranhas na Internet. Claro que numa mídia como esta, sem controle, sem hierarquia, sem administração, só poderia ser assim mesmo - uma autêntica anarquia. Tudo bem! Isto tem o seu lado ruim, mas o prato da balança prejuízo/benefício pende nitidamente para o lado deste último, creio eu. Porém, de tudo o que me leva a buscar nesta janela para o mundo (também na minha ótica a expressão mais feliz para definir a Web), é a caixa de correio - a sua interface mais esquizofrênica, o que me põe também quase neste estado. Isto é, esquizofrênico. Tenho uma relação de amor, ódio, indiferença, desprezo e dependência com os e-mails. Não posso passar sem eles, mas às vezes também não os suporto. Fico nervoso quando encontro minha caixa postal cheia, mas, por outro lado, entro em depressão quando não encontro nada. Busco uma notícia alegre e às vezes só encontro "espans". Embora, no meio deles, não seja raro estar escondida uma mensagem de grande interesse a qual, quando menos espero, já deletei sem querer. A minha caixa de correio é, ao mesmo tempo, para mim, horizonte, zênite e abismo. O tipo de e-mail que mais me faz ficar feliz é o meu salário que chega invariavelmente todos os dias sob a forma de elogios inteligentes - isto não posso negar. Ontem, por exemplo, foi dia de casa cheia, digo melhor, de caixa cheia. Por causa disto guardo tudo com muito cuidado e carinho. Guardo também os não salários que são as críticas negativas. Quem sabe, um dia poderão se transformar em salários. Felizmente, a minha conta corrente sempre esteve no azul. O saldo credor é muito maior do que cem para um.

Porém, não era precisamente sobre elogios e críticas o que queria falar hoje, mas acerca de uma torrente de mensagens estranhas que estão chovendo no meu "autiluque" e eu ainda estou por saber do que se trata. Elogio, certamente, não é. Seria, portanto crítica? E em se tratando desta última, seria construtiva ou do tipo daquelas em que o cara (ou a cara) envia somente porque não suporta mais conviver com aquilo que todos já conhecem e que o "Aurélio" define como "Desgosto ou pesar pelo bem ou pela felicidade de outrem. Desejo violento de possuir o dom alheio"? Não creio nesta última hipótese, até porque os e-mails são oriundos de um "saite" famoso por sua gentileza, cortesia e solicitude. Mesmo assim me deu vontade de especular sobre o que significa o seu "subject". Não estranhem alguma palavra que por acaso eu tenha aportuguesado porque, pelo menos foneticamente, todos entendem ao que me refiro, mas o "subject" dos e-mails que estão chovendo na minha telinha, como se fossem fragmentos de meteoros sobre um planeta, atende pela graça de ABASAGUADEIO. Alguém que esteja lendo isto, acaso já ouviu falar em abasaguadeio? Quanto a mim, falo e escrevo razoavelmente o português; consigo entender o que um espanhol quer dizer, contanto que ele escreva; queixo-me de me comunicar sofrivelmente em inglês; além de não ser completamente tapado em francês, latim e nem mesmo em alemão. Mas, pelo menos até ontem, nunca tinha ouvido alguém falar em abasaguadeio. E ainda tem gente que acha estranha a palavra Inhanha que eu ainda não sei o que significa, mas conheço uma pessoa de renome internacional que a conhece - o professor Caio; aquele brasileiro que ensina Etimologia na Cambridge University. Tentei me comunicar com ele hoje pela manhã, mas só foi possível falarmos alguns minutos porque está convalescendo de um enfarte que deu lá nele. Mesmo assim, houve tempo para escutá-lo dizer de lá do outro lado do Atlântico: "Não! Nunca ouvi falar em tal palavra, todavia..." Neste instante a ligação caiu e eu não quis retornar devido ao seu estado de saúde.

Mas, o que seria mesmo ABASAGUADEIO? Continuo a me interrogar. Não faço a menor idéia quando busco possíveis raízes etimológicas. Já fiz de tudo - fui à "Britannica", ao "Google", ao "Altavista" e a todos os grandes "saites" de busca da Internet. Fiz tentativas ao acaso. Pensei: Aba (de chapéu); Sa, de (Mem de Sá); Água (de água mesmo). Mas quando chega em Deio eu misturo tudo e não sai nada. Já deletei, sem nenhum exagero, mais de duzentos abasaguadeios. Agora mesmo interrompi esta escrevinhação e fui lá no "autiluque". Pois podem acreditar, já há outros duzentos. Se pelo menos eu soubesse o que significa abasaguadeio não me importaria de ficar o dia todo desabasaguadeando-os, mesmo porque hoje é Domingo e não tenho nada para fazer mesmo. Mas, ficar o dia inteiro jogando fora abasaguadeios é muito pior do que aquela história do tonel das moças gregas - cujo apelido esqueci agora - que foram submetidas ao castigo de transportar um líquido num tonel furado embaixo. Pelo menos elas sabiam o que "não transportavam" - Água. Mas, abasaguadeio...? É meio muito, não?

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