"Errar é humano; perseverar no erro é diabólico".
Desde criança ouço citarem este provérbio e, como quase
toda criança, nunca questionei um adulto; muito menos os seus provérbios.
Porém, houve uma época da minha vida a partir da qual passei a
desconfiar de tudo. De provérbios, inclusive. Ou principalmente. Há
muitos deles que não fazem o menor sentido, e sobre isto já escrevi
aqui um comentário. Não é o caso deste que está
escrito aí acima (ou em cima?). Só que ele me parece incompleto.
Na minha ótica deveria ser assim redigido: "Errar é humano;
perseverar no erro é diabólico e não aprender com ele é
burrice".
"Doutor, o diretor quer falar com senhor no gabinete dele". Pronto,
pensei, estou ferrado. Não foi propriamente ferrado porque naquela época
esta gíria não existia ainda, mas foi algo equivalente. "Lascado",
talvez. Eu cursava o segundo semestre do sexto ano de medicina e nunca tinha
sido chamado ao gabinete do diretor. "Doutor, mandei-o chamar aqui porque..."
Entrou uma secretária. Esta demorou conversando com o chefe os cinco
minutos mais longos e tormentosos da minha existência. A primeira coisa
em que pensei foi nas carraspanas que tomava, todos os sábados depois
das provas e sabatinas, nas imediações da faculdade. E tinha tudo
para ser isto mesmo. Circulavam rumores entre os alunos segundo os quais, durante
a última reunião da Congregação de Professores ocorrera
o seguinte episódio. "Convoquei esta reunião da egrégia
Congregação da honorável Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Ceará, porque se comenta um fato muito lamentável.
Determinados professores, em pleno horário das aulas, estariam bebendo
acompanhados de alunos nos bares adjacentes e..." Só teve tempo
de falar isto. Neste exato momento o "certos professores" ali
presente, e que já deveria se encontrar naquela fase em que, segundo
Humphrey Bogart, a humanidade deveria permanecer para sempre - ou seja, com
três doses de uísque na cachola -, se levantou, e falou assim:
"Negativo. Não é em bares adjacentes não, é
aqui mesmo, ó!" E sacou do cós da calça um vasilhame,
abriu-o, levou-o à boca, e entornou ali mesmo, na frente dos seus colegas,
todo o conteúdo. Obviamente, um escândalo igual àquele,
jamais poderia permanecer confinado às quatro paredes daquela sala. Pouco
antes disto ocorrera outro fato semelhante, por conta do qual corria um processo
administrativo. Cinco plantonistas da Pediatria "por decisão
unânime da maioria" (Decisão unânime da maioria
é bom demais, mas era assim mesmo que constava em suas defesas nos autos
do processo), "por decisão unânime da maioria" acharam
por bem ir tomar "um cafezinho" nos "bares adjacentes",
em plena madrugada. Na verdade utilizaram xícaras de café, mas
com duas diferenças fundamentais quanto a "tomar um cafezinho":
primeira, o conteúdo das xícaras era cachaça; segundo,
em vez de um, foram mais de meia dúzia de "cafezinhos". Quando
retornaram ao hospital as enfermeiras estavam em polvorosa. "Doutor, o
menino do 14 (menino do 14 não é o nome de uma criança,
entendam, por favor), o menino do 14 faz meia hora que se esgoela com uma dor
de barriga; a menina do 12 vomita mais do que passarinho que comeu angu de farinha
d'água; e um recém nascido do berçário está
ficando roxo". "Pare! Também não estamos a passar muito
bem. Dê 20 gotas de amplictil a cada um, indistintamente!" Vinte
gotas de amplictil são suficientes para deixar grogue qualquer adulto!
Já estava me preparando para cair de joelhos aos pés do "diretor
careca", e implorar o seu perdão (com medo que ele não entregasse
mais o meu "canudo de papel"), quando ele reiterou: "Mandei-o
chamar aqui porque... Você me escreveu um requerimento 'solicitando a
Vossa Senhoria', no caso eu, 'que se digneis mandar expedir uma declaração
de pobreza, digo melhor, uma declaração de matrícula'."
Como brevemente Vossa Senhoria se dignará a ser um ex-aluno desta heráldica
Escola, seria uma vergonha para ela se o senhor continuasse a escrevinhar em
caçanje, que, pelo menos por enquanto, ainda não é o idioma
oficial deste país e...Blá, blá, blá". O meu
alívio foi maior do que o de um condenado à forca, cuja sentença
acabasse de ter sido comutada. Pois bem, soube que escrevi errado mas não
aprendi a lição. Afinal, se "se digneis mandar" está
errado, o correto acaso seria "vos digneis mandar", ou nem um e nem
outro? Não sei! Mas por causa do meu erro acabei encontrando um assunto
para estas minhas escrevinhações cotidianas. Ou quotidianas?