A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Internet & Comportamento Humano

(Raymundo Silveira)

Por favor, quem acaso tiver sido atraído para este texto por causa do seu título, talvez pensando encontrar nele algum estudo, pesquisa, especulação teórica de natureza técnica, ou qualquer outro aspecto ligado ao estudo da Psicologia, pode parar por aqui mesmo. A única pretensão de quem o escreve é revelar certas observações estritamente pessoais acerca da mudança do comportamento de muitas pessoas depois do advento da Web.

Talvez seja arriscado generalizar, mas pelo menos até onde pude perceber, nunca houve uma modificação tão radical dos hábitos individuais, quanto aquela que foi introduzida pela Internet. Não se precisa ser um profissional para chegar a essa conclusão; basta ser um bom e atento observador.

Quando converso sozinho comigo mesmo comento isto: "Cara, o que houve contigo? Antes de te envolveres com esta engenhoca, tu quase nunca tiveste uma amiga mulher. Excetuando aquelas da tua família e as namoradas (uma de cada vez, tudo bem), entre dez amigos teus apenas uma era do sexo feminino; se tanto. Por que agora se dá exatamente o inverso?" Como vêem, estou começando a citar minhas observações usando a mim mesmo como cobaia. É verdade! Concordo comigo mesmo: quase nunca tive amigas desde que me entendo por gente, até meados de 1999, quando comecei a navegar por estes "mares". Hoje, praticamente, só tenho amigas mulheres. Por quê? Certamente muitos dirão: "Isto acontece porque vives num mundo virtual". Talvez, mas antes da chegada da Internet quase todo o meu tempo livre passava lendo. Isto seria Real ou Virtual? E se fosse Real, seria positivo ou não? Em outras palavras, o relacionamento unilateral entre o leitor e o autor de um livro seria menos pernicioso do que uma interação entre duas ou mais pessoas, ainda que virtualmente?

O diálogo a seguir, me foi repassado por uma amiga (que nunca vi), mas a intimidade entre nós é tamanha a ponto de me ter repassado esse diálogo que ela teria travado com um amigo:

- Somos tão íntimos que nem mesmo o meu marido conhece a minha intimidade como tu conheces!

- Por exemplo?

- Ele nunca soube deste meu desejo que acabo de te contar...

- Por que não confessas a ele?

- Por que jamais me atreveria a tanto.

- E como estás a confessar a mim?

- Juro como nem eu mesma sei por quê. Loucura, talvez. Ou algo mais...

Às vezes chego a duvidar de que este liberou geral esteja, de fato, acontecendo. Uma das décadas em que mais se viu ruptura de tabus; liberação de repressões seculares e outras mudanças radicais, a ponto de ter sido chamada a "década da revolução sexual", foi a de 1960. Mas nunca sucedeu nada parecido com o que estamos vivendo agora. A única diferença - e talvez seja exatamente por causa dela - é que tudo naquela época foi real. Mas como já questionei numa outra escrevinhação, qual seria mesmo a diferença absoluta entre Real e Virtual?

A vida seria Real? Até que ponto? Quando estamos dormindo ela é Real ou Virtual? E quando estamos sonhando? E quando estamos em estado de coma? E quando alguém enlouquece? O mundo seguiria Real ou passaria a ser Virtual? Ou ele seria Virtual para quem está dormindo, para o sonhador, para o comatoso e para o louco, mas continuaria a ser Real para as demais pessoas? E, supondo que haja uma vida depois desta aqui, esta seria menos ou mais Real? Ou Virtual? O que serão a literatura e a arte, reais ou virtuais? A Bíblia, por exemplo - que ninguém nem sabe quem foi que escreveu - é Real ou Virtual? Um escritor famoso, um acadêmico REAL, um João Ubaldo Ribeiro, por exemplo, quando está escrevendo um livro de papel é um escritor REAL e quando está digitando um texto na Internet não é mais? Ou o contrário. Eu, por exemplo, que não me considero escritor nem Real nem Virtual, mas tem gente que me põe este apelido, se editasse um livro de papel deixaria de ser um escritor VIRTUAL e passaria a ser REAL? E quando eu imprimo um texto que escrevi na Virtualidade, este - como num passe de mágica - passaria a integrar o mundo da Realidade?

Chegando agora aonde eu pretendia ir: o que é um relacionamento Real? O que seria uma amizade ou uma intimidade Virtual? Sei que se trata de um assunto muito polêmico e delicado, mas temos de enfrentá-lo. Abstraindo qualquer outro tipo de envolvimento e nos limitando ao estritamente biológico, um orgasmo virtual deixa de ser um orgasmo porque não foi "real"?

Fato:

- Nunca senti um prazer tão intenso quanto aquele!

- Jura?

- Nunca. Nunca senti!

- Como seria possível se nada foi Real?

- Não sei. Acho que o que eu senti foi mais do que Real.

Fato: Jamais uma convivência virtual poderá substituir uma real. Há o verso de uma canção da Bossa Nova que diz assim: "É impossível ser feliz sozinho". Nada mais óbvio. Apenas alguém leviano e insensato discordaria do poeta.

Fato: Nunca se ouviu falar em divórcio virtual; em querelas judiciais virtuais; em brigas virtuais por causa de reivindicações pela guarda de filhos ou pelo patrimônio de um casal. Violências virtuais de homens contra mulheres (ou vice-versa) pode ser que ainda venham a suceder. Quem sabe, até assassinatos em legítima defesa da "honra virtual". Mas não, por enquanto.

Boato: "Tudo o que acabaste de dizer é falso, não faz sentido, é ridículo, fantasioso e nem merece ser discutido!"

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