Certos aspectos do comportamento humano são, no mínimo, curiosos.
A inclinação, mais do que inclinação, a compulsão
que nos leva a imitar, seguir, reproduzir os atos das demais pessoas é
um impulso tão instintivo quanto aqueles outros dos quais os psicanalistas
vivem a nos lembrar. Certo dia, devido à falta de algo melhor para fazer,
fiz a seguinte experiência. Fui ao centro da cidade, parei diante de um
edifício de doze andares e me pus a olhar para cima, simulando um interesse
de astrônomo amador sem telescópio. Imediatamente, alguns passantes
pararam e se puseram a olhar também. Afastei-me um pouco para observar
melhor. Observar melhor os passantes, entenda-se, não o que eles estavam
observando, que não se tratava de nada especial. Dentro de pouco mais
de meia hora a quantidade de gente já era tamanha a ponto de interromper
o tráfego de veículos. O que me chamou mais atenção
foi que os passageiros, em vez de se irritarem, pareciam ainda mais curiosos
do que os pedestres. Os motoristas, exceto uns dois ou três mais nervosos
ou com algo muito urgente por fazer e que buzinavam feito loucos -, não
davam a mínima para o enorme engarrafamento que ia se formando.
Nestas ocasiões sempre aparecem os gaiatos. A certa altura dos acontecimentos
(melhor seria dizer dos não acontecimentos, porque, a bem da verdade,
não estava a acontecer absolutamente nada) um deles falou em voz alta:
"parece que tudo começou no décimo andar, só quero
ver como irão se sair desta". Isto foi o bastante para aguçar
ainda mais a curiosidade dos demais circunstantes, provocar-lhes algum alvoroço
e concorrer a fim de que se ajuntassem mais pessoas. Depois que se passaram
cerca de noventa minutos desde quando tomei a iniciativa de parar e olhar para
cima, a rua, nas imediações do edifício, estava completamente
intransitável assim para veículos quanto para pedestres. Escutei
várias pessoas a indagarem umas às outras: "O que está
acontecendo?" "Não sei, também acabei de chegar".
"Isto é falta de polícia!", opinava outro. "Que
nada! É mais uma conseqüência de mais de vinte anos de ditadura
e de governo inoperante, isto sim". "Como pode acontecer uma coisa
destas numa das maiores cidades do Brasil, em pleno século XXI?"
"Se fosse noutro lugar já se teria tomado alguma providência".
"De Gaulle era quem estava certo, isto não é um país
sério". Não sabiam do que falavam, mas não se continham:
deviam falar o que lhes viesse à cabeça. Desnecessário
dizer que tudo isto só fazia incrementar a expectativa das demais testemunhas.
Não me perguntem o que testemunhavam, pois ficaria quase impossível
de responder. Digamos, testemunhas do nada. Ou da falta do que fazer.
Os vendedores ambulantes pululavam: "Olha o cachorro quente!" "Isto
ainda vai demorar, vai uma cervejinha gelada?" "Olha o sorvete, tem
de morango, sapoti, graviola e maracujá". "Ei amigo, o que
é maracujá?" "Não venha me dizer que não
conhece maracujá; você é do Sul? Se não conhece maracujá
não pode ser daqui; nunca comeste maracujá?" "Mará,
não!" E desatou a rir. Depois de duas horas chegaram alguns policiais
e formaram dois cordões de isolamento: um separando a turba da entrada
do prédio e outro da pista de rolamento de veículos. Com isto
a multidão se comprimia cada vez mais. Foi então que percebi indícios
de violência e me preparei para deixar o local. "Não empurra,
porra!" "Arre égua, quem me empurrou foste tu!" Se não
fosse a presença dos guardas ignoro como aquilo iria terminar, pois os
ânimos estavam muito exaltados. Depois disto fui saindo discretamente.
Mas a multidão só fazia aumentar.