Não consigo entender como viajam. Andar pelo mundo inteiro e não
ser capaz de se comunicar; desejar assistir a uma representação
teatral ou a outra manifestação cultural qualquer do lugar onde
se está e não ser possível; solicitar uma simples informação...
Em caso de eventual mal súbito - como sucedeu com quem escreve isto há
cerca de quatro meses em Viena -, então, nem é bom pensar. Deve
ser muito complicada mesmo a vida de "monoglotas" em viagens ao exterior.
Num aspecto, porém eles levam vantagem sobre os falantes de inglês:
quando estão na França. Não se tenha dúvida alguma
quanto à ojeriza dispensada pelos franceses a essa casta "arrogante".
Em caso de absoluta necessidade, podem até se comunicar através
de mímica, mas nunca naquele maldito idioma falado no outro lado do Canal
da Mancha. Certa vez cheguei em Paris num vôo vindo de Londres com um
livrinho de "francês para viajantes" a tiracolo. O aeroporto
era o Charles de Gaulle. Fui à casa de câmbio, troquei traveler's
checks e me comuniquei livremente até onde o tal livrinho poderia me
levar. O funcionário de plantão era todo simpatia. Eu só
entendia aquilo que eu mesmo dizia porque estava escrito lá, com a frase
correspondente em português transcrita abaixo; mas de tudo o quanto falava
o meu interlocutor só compreendia "monsieur". Contudo, como
é de uso dizer-se, tudo o que é bom dura pouco. Chegamos a uma
determinada situação onde simplesmente emudeci. Não me
recordo bem se era por faltar a frase feita no "livrinho", ou por
eu não entender nada do que falava o gaulês. Fiquemos nisto: eu
"empanquei". Só me restava uma saída: "Sorry, sir,
Do You...". Bastou isto! Nada mais do que isto! Quando completei "speak
English?", a cara do "franco" já havia mudado do vinho
para a água (água não potável, bem entendido). Olhava-me
com uma carranca, como se quisesse me massacrar. Acho que já deixei bem
claro que não falo francês, mas também não sou completamente
"tapado" em relação a este idioma. No mínimo
sei perguntar as horas, o preço de um objeto, pedir um táxi, a
nota de uma compra e chego mesmo dizer um "ça va"; um "à
bientôt" ou até um "je t'aime moi non plus". Mas
naquela ocasião fiquei tão sem jeito, melhor seria dizer, tão
petrificado a ponto de, entrando no táxi, exibir ao motorista o cartão
com o nome do meu hotel sem dirigir-lhe uma única palavra. O pior foi
quando ele me encarou com uma fisionomia bem mais patibular ainda do que a do
cambista. Deve ter pensado: é mudo, louco ou terrorista. Minha fortuna
são os hotéis, alguns restaurantes e as imediações
da Sorbonne. Foi lá onde, por fim, descobri: quase todos os franceses
falam um excelente inglês, só que odeiam fazê-lo. A única
explicação para isto são as guerras onde vêm se defrontando
com os anglicanos ao longo dos séculos. Durante outra ocasião
fui a um supermercado comprar uma determinada marca de champanha ("brut,
madame, extra brut, brutíssima, s'il vous plaît"). No dia
seguinte fui repetir a dose. A "femme" que me atendeu era a mesma
do dia anterior. Pelo seu tartamudeado entendi logo que ela estava a dizer com
um certo bom humor: "Gostou, hem?". Respondi sem pensar: Yes, That's
very good this one". Foi o suficiente para a compatriota da Edith Piaf
fechar-se em copas. Deu-me as costas, mas não sem antes dizer alto e
bom som e com o indicador em riste: "Non, Non. C'est très bon; C'est
très bon". Há também episódios cômicos.
Como houvesse partido o cadeado de minha mala, fui à recepção
do hotel e perguntei - em inglês - ao concièrge: "como se
diz cadeado na sua língua?". E ele, candidamente: "cadená".
Doutra feita, no mesmo Charles de Gaulle, havia chegado em cima da hora para
fazer "check-in". Muito preocupado, não conseguia disfarçar
a azáfama pois, ademais, não havia escutado o número do
portão de embarque. Abordei um guarda cuja cara era idêntica à
daquele que aparece no filme "O Dia do Chacal", permitindo a passagem
do falso mutilado de guerra à água furtada de onde ele atiraria
no Presidente. Com este não alimentei a mínima esperança,
fui direto pra cima dele logo em francês: "Parler vous l'Anglais?"
Pois o sacana, mesmo com todo este meu esforço, foi implacável.
Respondeu-me com um seco "Pas du tout" e também virou-me o
traseiro. Mas o pior de tudo, o trágico o quase fatal sucedeu na madrugada
do dia 14 para 15 de Julho de 1989, após o desfile comemorativo do bicentenário
da Revolução. Eu havia me perdido. Andava para os lados do Boulevard
Haussmann achando que me encontrava na "Rive Gauche". Estava cansado,
assustado e suando frio. Cheguei até a cogitar que só regressaria
ao Brasil, envolto num sobretudo de madeira e no compartimento de cargas do
avião! Num cruzamento, parou uma ambulância da Croix Rouge. Pensei
comigo mesmo: estou salvo. " Monsieur, I'm a Brazilian doctor and I got
lost. Could You help me?" O sinal verde acendeu mal terminei de pronunciar
estas palavras. Pois o meu "colega" e conterrâneo do Robespierre,
só não me levou para a guilhotina. Mas arrancou cantando pneus
e bradando bem alto alguma coisa que não consegui traduzir, mas certamente
equivalia, em português a ...àquilo mesmo que todos vocês
estão pensando! É curioso como todo brasileiro recém saído
de um curso de inglês se imagina o próprio Shakespeare, sobretudo
se está viajando por terras estrangeiras. Eu só queria falar um
por cento do Inglês que ele (a) pensa que fala! Foi nesta condição
de neófito na língua de Dickens que me perdi outra vez; nesta
ocasião, em pleno interior da França, entre Lyon e Nice. Passamos
(eu e meus companheiros), toda uma noite na estação de Avignon
a carregar bagagens pra lá e pra cá. A princípio eu pensava:
não há problema algum, temos dinheiro, falo inglês "and
so on". Pois não houve franco francês nem muito menos "can
you help me" que convencesse um único carregador a conduzir nossas
malas, apesar de estarmos quase a desmaiar de tão cansados. E olhem que
nenhuma delas tinha rodinhas e, na estação, também não
havia nada parecido com aqueles carrinhos de aeroporto. Fizemos tudo a muque
mesmo. Ainda hoje tenho dó de um dos meus companheiros. Ele carregava
duas bagagens, a dele e a da esposa. Hoje em dia, se estou na França,
não me separo do meu "livrinho". É a primeira coisa
que lembro de pôr na mala. Quando ele me decepciona, prefiro gesticular
a falar inglês. Certo dia na Bretanha, numa cidadezinha cujo nome não
me ocorre no momento, "mugi" e "tugi" à mesa de um
restaurante. Quando a garçonete perguntou o que eu gostaria de comer,
pus as mãos ao redor de uma porção imaginária de
carne e soltei: MOOOOOOOMMMMMM!