Há muitos anos, quando, um tanto triste, eu desabafava com a mãe
de uma amiga a respeito de ter sido magoada por uma pessoa do meu convívio,
fiquei surpresa com seu comentário. Ela me disse, com toda delicadeza,
que aquela pessoa à qual eu me referia, por mais que tivesse me magoado,
não poderia ter o poder de me derrotar, de me fazer sofrer; que isso
só estava acontecendo porque eu permitira que a amargura e a decepção
tomassem conta de mim e fossem minando minhas forças; que apenas eu era
responsável por ter chegado àquele estado em que me encontrava.
Confesso que fiquei chocada com aquela resposta. Na realidade, esperava que
ela me consolasse, pois era de conforto que meu coração estava
precisando; que reconhecesse junto comigo quão injusta fora a pessoa
que me ferira. Naquele momento, pensei, eu estava precisando de brandura e não
de reprimendas.
Foi com o coração cheio de amargor que contestei veementemente
o que ela havia dito: "Mas que vida injusta é essa que, além
de eu ter sido magoada, no fim das contas, a única responsável
pela minha tristeza, pelo meu sofrimento sou eu mesma?". A mãe da
minha amiga passou as mãos sob meus olhos para enxugar minhas lágrimas,
levantou-se calmamente e falou: "Acho que você ainda não está
preparada, mas, um dia, você vai entender o que eu lhe disse agora".
Hoje, passados tantos anos e após tantos tropeços, tantas mágoas
alimentadas, que só fizeram paralisar a minha vida, baixar minha auto-estima
e me fazer sofrer, entendo claramente o conselho daquela sábia senhora.
Como uma doença silenciosa, a mágoa vai tomando conta de nós
e, se não for detectada no início e tratada, se espalha por todo
o nosso ser, destruindo-nos pouco a pouco, sem piedade. Quando formos notar
quanto mal ela nos fez, pode ser tarde demais.
Quando estamos magoados com alguém, é como se uma nuvem negra
de amargura ficasse pairando sobre nossa cabeça, não nos deixando
ter alegria, nem paz de espírito.
Guardar mágoa é tão prejudicial que pode influir negativamente
na nossa vida por anos a fio. E a ironia de tudo isso é que carregamos
o peso de uma grande dor, sofrendo por alguém que nos magoou e esse alguém,
na maioria das vezes, nem se lembra mais do fato ou sequer imagina a dimensão
da nossa ferida.
Não é preciso que nos transformemos em santos para não
guardar mágoa em nosso coração. Isso seria muito difícil,
pois somos seres humanos falíveis e a santidade é jóia
rara de se conseguir. Eu diria que basta pensarmos em nós mesmos, em
como seria diferente nossa vida se não carregássemos mágoas
na alma.
Perdoar, de todo nosso coração, alguém que nos magoou,
nos traz uma libertação interior incapaz de ser descrita. Se,
em acréscimo, conseguirmos ter a humildade de dizer à outra pessoa
que a perdoamos, sentiremos uma dupla felicidade: a de dar perdão a nós
mesmos e à pessoa que nos magoou. Se for uma atitude sincera, a vida
terá para nós uma nova perspectiva a partir desse momento.
Por isso, é mais sábio não guardar mágoa, não
permitir que ela nos contamine, exercitar o perdão. Não esperar
que a amargura cause um estrago tamanho em nossa vida que torne quase impossível
uma restauração.
No entanto, uma mágoa enraizada não desaparece de repente, apenas
por nosso esforço, por mais sincero que ele seja. Precisamos de cobertura
espiritual e isso só se consegue se buscarmos a Deus, que é Senhor
do impossível. Devemos perdoar, como Ele nos perdoou. Somente Ele é
capaz de abrandar nosso coração e nos devolver a paz de espírito.
E, com ela, a alegria de viver.
...
Então, Pedro, aproximando-se Dele, disse:"Senhor, quantas vezes
pecará meu irmão contra mim e eu lhe perdoarei? Até sete?"
Jesus lhe disse: "Não te digo que até sete, mas até
setenta vezes sete." Mt.18:21-22.