Depois de tomar o seu café lendo o jornal, sem ao menos me enxergar,
ele, já de pé, deu uma mordiscada em um croissant e se encaminhou
para a saída. Acompanhei-o até a porta e, como de costume, esperei
por um beijo. Ouvi um "até à noite" apressado, enquanto
um beijo chocho resvalava em meu rosto. Permaneci à porta, esperando
para acenar-lhe. Ele, rapidamente, tirou o carro da garagem e saiu, sem sequer
olhar para os lados.
Fechei a porta e caminhei devagar até o quarto. Enxuguei uma lágrima
que teimava em cair e retirei, com cuidado, a máscara de esposa feliz.
Entreguei-me aos afazeres domésticos, mas só meu corpo estava
ali. Minha mente vagueava sem rumo. Enquanto dava um jeito na casa, varria minhas
frustrações para debaixo do tapete, para que eu não as
visse a toda hora, para que elas não me impedissem de levar adiante aquela
convivência insossa, que era a única coisa concreta que me restava.
Se é que se poderia dizer que era concreta...
Nesse dia, entretanto, eu senti alguma coisa no ar, como se algo diferente
fosse acontecer. Confirmando minha intuição, ele chegou em casa
mais cedo, fato que nunca acontecia. Contente, eu disse que iria preparar um
jantar especial, com seus pratos preferidos. Para minha surpresa, ele convidou-me
para irmos jantar em um restaurante naquela noite. Mal podia esconder minha
agitação. Era o meu aniversário e ele havia-se lembrado!
Porém, não sei explicar por que, junto com essa felicidade, senti
uma certa insegurança...
Com o coração acelerado, vesti-me como num sonho. Pus o meu vestido
mais bonito, especialmente para agradá-lo. Quando eu descia as escadas,
sentindo-me tão linda quanto uma estrela de cinema, ele, que estava sentado
no sofá da sala em frente à TV, olhou-me com um ar desaprovador
e perguntou-me se eu não havia exagerado no traje e na maquiagem...Imediatamente,
o encanto se quebrou. Por pouco, não disse a ele que não iria
mais. Respirei fundo e não respondi nada. Apenas sorri. Um arremedo de
sorriso, que exigia de mim uma força descomunal.
No restaurante, jantamos quase mudos, só comentando vez ou outra sobre
os pratos servidos. Nem uma atenção especial, nem um botão
de rosa, nada. Depois, vendo um grupo de amigos do escritório, chamou-os
para nossa mesa. Enquanto todos tomavam seus lugares, ele virou-se pra mim e
disse, todo sorrisos: "- Olha só o seu prestígio, com tantos
amigos à mesa!" Eu quase desabei. Esbocei um meio-sorriso tentando
disfarçar minha decepção perante os convidados. Nem é
preciso dizer que a comemoração foi até altas horas, só
se falando de trabalho. Eu assistia a tudo, muda, como se não estivesse
ali. Foi assim a festa do meu aniversário...
Chegamos em casa e subimos para nosso quarto. Eu estava em frente ao espelho
quando ele veio ao meu encontro e me abraçou pelas costas. Sem dizer
uma palavra de carinho, começou a beijar-me a nuca, as orelhas, os ombros.
Estranhamente, aquilo me incomodou e senti um mal-estar que nunca havia sentido.
Fui me sentindo pouco à vontade, desconfortável mesmo, e só
com o olhar, demonstrei que não estava propensa a nada, a não
ser dormir. Ele olhou-me sem entender nada, provavelmente pensando não
entender as mulheres, deu de ombros e foi se deitar...
Fui tomar um banho tentando apagar da mente aquela noite desastrosa, que ele
imaginava ter sido perfeita. Demorei uma eternidade, como se nunca mais fosse
me sentir eu mesma. Quando voltei para o quarto, ele dormia pesadamente. Sem
fazer barulho, eu me deitei ao seu lado, virei-me de costas e fiquei pensando
se aquele dia não estaria marcando o começo do fim...