A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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SEPARAÇÃO

(Dorcila Garcia)

É sempre doloroso lidar com perdas, principalmente se for a perda de uma mãe, de um filho, de um pai, de alguém muito querido. Mas a dor de uma separação, do fim de um grande amor ou de um casamento, também é muito profunda. O que mais sofre é aquele que acha que perdeu, que se doou demais, que recebeu de menos. Quem se vai, ainda que sofra, vai por sua própria decisão. Sente-se fortalecido pela coragem que encontrou para buscar outros caminhos, pelas perspectivas que tem pela frente, pelos sonhos que deseja realizar.

Quando o outro diz que tem de partir, não raras vezes argumenta que não será perda, que se pode estar junto sempre, sem ter que dividir o mesmo espaço. Mas o coração abandonado diz que é perda, sim, que o corte que está sendo feito não vai ficar impune, que esse rompimento vai ter o seu preço. Só a ausência da continuidade, a falta da conversa diária, já vão fazer um grande estrago nos sentimentos. Eles irão se arrefecendo aos poucos, quase nem se percebe. Quando ambos se derem conta, faltará até assunto para conversar.

Ninguém gosta de lidar com perdas. Separações são dolorosas para ambos os lados, ainda que o lado preterido sofra mais, já que tem de lidar também com o sentimento de rejeição. Quando um decide partir, na maioria das vezes, tudo já foi tentado para salvar o relacionamento. Até que um dia chega o momento de enfrentar a separação, que nos deixa com medo do futuro, que nos faz sentir como se estivéssemos sem chão, sem referência, apavorados por termos de sair da nossa apatia confortavelmente familiar. As mudanças, quaisquer que sejam elas, sempre nos assustam, deixam-nos vulneráveis, frágeis, inseguros.

Seria tão mais fácil não mudar nada, não questionar nada...Mas que tipo de vida seria essa? Uma estática interminável, que não machuca, mas que também não emociona. É por isso que se deve lutar com todas as forças para modificar essa letargia, para preservar e fazer renascer esse amor. Entretanto, é um esforço que tem de ser feito a dois, sob pena de se viver a ilusão de uma tranqüilidade insossa e vazia.

É quando se percebe que vivemos eternamente à procura do amor. É esse sentimento perene de busca que nos impulsiona a lutar por um relacionamento que já parece perdido. A preservação é instintiva no ser humano. A dor da separação assusta e só chegamos a esse ponto quando não há nada mais para se tentar. O que machuca mais é que raramente os dois lados chegam juntos a essa conclusão. Por essa razão, haverá sempre uma parte em desvantagem emocional, que tanto pode ser o homem ou a mulher.

Diante do inevitável, vamos nos sentir diminuídos no momento em que estivermos recolhendo nossos pedaços. E a duração desse momento vai parecer-nos uma eternidade. Nossa alma estará protestando contra a dor. Entretanto, mais adiante, quando essa dor tiver passado, vamos nos surpreender querendo apaixonar-nos outra vez, sentir todas as emoções fortes que, um dia, nos fizeram sentir vivos. Vai depender de nós, de como aprendemos a lidar com a nossa dor, da nossa coragem em seguir adiante, da nossa capacidade de sonhar. Vencidos esses obstáculos, então, estaremos prontos a traçar novos rumos, novos projetos, novas possibilidades, permanecendo abertos para receber um novo amor.

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