A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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SERENIDADE

(Dorcila Garcia)

Serenidade é um estado de espírito muito raro de se atingir antes da idade madura. Geralmente, leva-se quase uma vida inteira para atingi-la e nem todos conseguem. É árduo o caminho que se percorre em busca dessa Canaã da alma. Uma trajetória de tropeços e acertos, em que há que se procurar extrair, de cada experiência, uma lição de vida.

É necessário que sejamos primordialmente observadores, para que não percamos nada do que a vida nos ensina. É preciso termos "olhos de enxergar e ouvidos de ouvir", sob pena de que, tudo o que se viveu, não ir além de um emaranhado de coisas boas e ruins acumulados em nossa memória. Informações levadas ao desperdício de não terem sido usadas para a elevação espiritual.

Costuma-se, freqüentemente, confundir calma com serenidade. Na realidade, para alguém menos observador, essa tênue diferença talvez nem seja visível. Os próprios dicionários registram as duas palavras como sinônimas. Eu escrevo como leiga, como alguém que gosta de observar os sentimentos humanos, incluindo-se os meus e, por isso, vejo-me analisando-os espontaneamente. No entanto, são considerações sensitivas, baseadas em observações próprias, sem nenhum cunho didático ou profissional.

Na minha concepção, o ser humano nasce com tendências temperamentais, umas mais fortes, outras mais fracas, que serão alteradas ou amoldadas pelo meio ambiente. A calma faz parte da têmpera de uma pessoa, assim como a impulsividade, a sensatez e outros tantos sentimentos. Todos os temos dentro de nós, sem exceção, inclusive a violência. Uns são aprimorados pelo meio ambiente, outros, exacerbados, outros, dominados, sejam essas têmperas consideradas boas ou ruins, de acordo com o padrão cultural onde se vive e as experiências pelas quais se passa. Mas sempre estiveram lá, dentro de nós.

Eu me atreveria a dizer que uma pessoa pode ser calma e não ser serena. Num exemplo bem simplista, um temperamento predominantemente calmo consegue, ao ser atingido por uma ofensa, ter autodomínio para não se alterar ou para esperar um momento melhor, mais isento de emoções para responder ao seu ofensor. Talvez, nem responder. Mas essa pessoa sente-se ofendida. Apenas não reage com impulsividade, controla-se, mantém-se calma.

No entanto, a pessoa em cuja alma habita a serenidade, ao receber a mesma ofensa, não é atingida. Já conseguiu alcançar um estágio de vida em que todas as experiências vividas e observadas foram tão solidamente absorvidas, que não será agredida por nada que não queira, nada que não permita. É uma diferença que parece até não existir, mas que se olharmos atentamente, ela está bem na frente dos nossos olhos.

Poderíamos perguntar-nos: então, que valor teriam os outros sentimentos que nos povoam se, no final, eles nos fazem passar por tantos tropeços? Valem e muito! Porque esses sentimentos somos nós. E cada um de nós é único, andando pelos caminhos macios ou pedregosos da vida, mas deixando rastros individuais, que fazem a nossa história.

O que vai fazer a diferença é não ignorarmos cada passo acertado ou equivocado que dermos, refletirmos a respeito, para, de cada um deles, tirarmos uma lição. É esse enxergar, ouvir e absorver que poderá trazer um dia a serenidade para o nosso coração.

Quando (e se) um dia chegarmos a ser serenos, acredito que será como se uma estrela de intenso brilho estivesse nos enviando seus raios para atrair-nos. Parecerá hipnotizar-nos, convidando-nos a subir só mais alguns degraus dessa íngreme escada que galgamos durante toda a vida em busca da serenidade. Se atendermos ao chamado da simbólica estrela, quando a tomarmos em nossas mãos, estaremos tomando posse da SABEDORIA.

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