Dia desses, bateu aquela insônia insistente, quase invencível,
refratária aos mais eficazes tranqüilizantes. Chazinhos, leite morno,
mel, receitas da vovó e Dona Insônia, placidamente, tomando todas
aquelas beberagens como se fossem meros aperitivos. A danadinha escarneceu de
tudo e continuou ali, firme e impávida, parecendo disposta a viver comigo
eternamente.
Matreira como ela só, veio chegando assim, bem de mansinho, como quem
não quer nada. O rádio-relógio exibia sem pudor seu placar
noturno. Parecia até provocação. Números vermelhos,
fosforescentes, marcavam 23h00, 23h40, meia-noite, 01h11 e outras preciosidades
numéricas. Quando o visor mostrava 03h33, minha mente (já pendendo
para o sobrenatural) fez logo as contas: "Nossa, esse número é
a metade do 666. Será algum sinal do apocalipse?" Fiz depressinha
uma prece lembrando dos exorcismos do cinema e esperei imóvel, respiração
presa, o sono chegar.
Meus olhos continuaram tão abertos como se o mecanismo de movimento
das pálpebras tivesse emperrado. Àquela hora da madrugada, a TV
já estava à mercê dos "poltergeits". Minhas fitas
de vídeo só continham fragmentos: retalhos de filmes, programas
insossos, reportagens com prazo vencido, tudo misturado, sobreposto, meio insano.
Quando apareceu na tela o pessoal do "Telecurso", aí foi demais!
Desisti. Já estava pensando em me levantar e cuidar da vida quando, de
repente, me deu um estalo: "E se eu, só de birra, começar
a adiantar um pouco aquele conto que anda empoeirado como um brinquedo velho?"
Bingo! Caderno, caneta e prancheta na mão, pra escrever na cama,pois
o frio andava um tanto sádico naquele ano. Fiz pose de escritora. Olhos
perdidos na penumbra do quarto, fiquei esperando surgirem as palavras certas.
Mas nada! Nem um artigo definido consegui escrever! Minha inspiração
devia a quilômetros de distância, se esbaldando na balada com meu
sono fugidio.
Às 6h30, o "grilo" começou a cantar. Explico: meu despertador
tem essa voz baixinha, porque não quero dar vazão aos meus instintos
selvagens se algo me despertar como uma parada de sete de setembro. Pois não
é que, nesse exato momento, eu senti que Dona Insônia estava querendo
me abandonar? Atitude imperdoável ! Só de vingança, me
pus a escrever esta crônica ao final do amanhecer.