A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Ressurgir das cinzas

(Maurilio Tadeu de Campos)

Na manhã do dia 7 e fevereiro, uma notícia triste, revelada a apenas um mês do carnaval, cobriu de cinzas e enlutou três comunidades do samba carioca: Grande Rio, Portela e União da Ilha. Os barracões dessas escolas, situados na Cidade do Samba, incendiaram e o fogo destruiu muitos sonhos, inúmeras noites mal dormidas e o trabalho incansável de artistas e fazedores de ilusões. A TV mostrou as dimensões da tragédia e todos nós, certamente, ficamos apreensivos com o que poderia acontecer a partir desse incidente lastimável.

A mídia prontamente nos colocou a par do ocorrido, claro, sem precisar as causas, que ainda devem ser investigadas. Ficamos cara a cara com a tristeza, com o choro e com a desolação, tornando visíveis as ilusões perdidas e envolvidas pelo fogo e pela fumaça.

Solidariedade, humanitarismo e desejo de tudo refazer foi o que mais se pode perceber nos depoimentos lamentosos dos dirigentes e dos amantes do carnaval que, entristecidos, prometiam dar a volta por cima e trazer para os nossos olhos, no desfile, o que de melhor pudessem realizar para que a emoção esteja equilibrada ao talento, à vontade de superar o grande e devastador obstáculo causado pelo incêndio. Valeu a pena ver e ouvir as pessoas e sentir que, independentemente a qual escola de samba estejam vinculadas, ofereciam o melhor de si para recuperar as perdas, na tentativa de resgatar o pouco que ainda restava, convictos de que seria preciso recomeçar e idealizar um belo espetáculo, um dos maiores da Terra, todo ele concebido com garra e espírito de equipe, carregado de amor.

Rostos sofridos, acostumados às dificuldades do dia-a-dia, desfilaram sua insatisfação, mas revelaram sua intenção de seguir adiante. Percebemos pessoas esperançosas, escondendo a dor e demonstrando a necessidade de tudo fazer para retornar ao sonho e compor seus personagens, para integrar o grande contingente de atores do asfalto, empenhados em nos mostrar o belo a partir da arte manifestada com idolatria e precisão.

Nos dias em que acontecer o desfile, teremos a convicção de que cada uma dessas agremiações, unidas às demais, entrarão na passarela do samba garbosamente, representando seus enredos, seus ritmos, seus cantos, seus gingados perfeitos. E, certamente, quando cada uma delas passar diante dos nossos olhos, esqueceremos, ao menos naqueles mágicos instantes, a tragédia que motivou a perda, mas que levou cada uma das escolas de samba a se recompor e manifestar todo o poder que conseguiram empregar para superar os obstáculos, as tristezas, as amarguras e, naquele momento, certamente, explodirão de felicidade e talento. Veremos, então, renascer das cinzas, o conhecido pássaro mitológico que morreu no fogo e ressurgiu mais vigoroso e deslumbrante. Com suas penas brilhantes, douradas, vermelho-arroxeadas, Fênix sobrevoará a avenida e nos encantará, trazendo-nos a lição de que é possível nascer de novo, renovar-se para iniciar uma nova e mais venturosa fase de uma existência mais feliz. E essa visão, tornada realidade, nos servirá de exemplo para que, diariamente, superemos nossos obstáculos, com a energia necessária para tudo suplantar, pois também revivemos em cada dia, prontos para seguir rumo ao nosso próprio e desejado destino.

(publicado no Jornal A Tribuna, de Santos, edição de 02/02/2011, coluna "Tribuna Livre")

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