A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Música: idioma universal

(Maurilio Tadeu de Campos)

Caminhando pelas ruas de Paris, repletas de turistas em pleno mês de julho, tentava entender o que as pessoas diziam quando passavam por mim e, como eu, aproveitavam o verão e a beleza da cidade. Falavam diversos idiomas e eu ousava definir diálogos em francês, chinês, alemão, inglês, espanhol, além de tantos outros dialetos que eu não conseguia identificar. Esperava ouvir alguém falar português sem satisfazer, no entanto, a minha ansiedade. Tenho conhecimento básico de inglês e espanhol, mas a velocidade com que as pessoas falavam não me deixava compreender muita coisa. Eu até estava querendo me comunicar, conversar, mas frustrava essa minha intenção em cada tentativa. Algumas vezes encontrava brasileiros e os cumprimentava com a intenção de angariar algum diálogo mas eles estavam dispersos e apressados demais para isso.

As férias transcorriam e eu ia conhecendo mais a capital francesa, procurando me entrosar com as pessoas da cidade, arriscando estabelecer uma comunicação mais proveitosa e, assim, ir trocando idéias. Paris é uma bela cidade, com muitos lugares pitorescos e possuidora de uma beleza singular que seduz seus visitantes. Museus, palácios, igrejas e tantos outros ambientes que atraem turistas preencheram meus dias e enriqueceram meus conhecimentos a respeito da história da civilização, fazendo-me compreender melhor os reflexos dessa história na vida da humanidade.

Num final de tarde ensolarado fui a um concerto de musica instrumental. Era domingo. Cheguei e logo procurei um bom lugar. Já havia muita gente. Percebi que nem todos eram franceses; lá estavam diversos turistas de diferentes nacionalidades e algumas pessoas em seus trajes habituais de seus países de origem. O concerto começou e todos ficaram compenetrados. Uma afinada orquestra de câmara executaria um tributo a Antonio Vivaldi. A música envolvia a nós todos, silenciosos e atentos, agora unidos pela harmonia dos sons. E, naquele momento, a sonoridade dos instrumentos correspondia ao idioma e a obra executada era a palavra que nos conduzia a plena compreensão do belo, motivando nossas emoções e embalando nossos corações no andamento da musica. Violinos, violas, violoncelos formavam o conjunto e de suas cordas saiam a melodia que penetrava nos nossos ouvidos e nos conduzia a um lugar imaginário onde as barreiras dos idiomas não existiam. Pude apreender nos rostos dos espectadores o prazer de poder usufruir daquela agradável atmosfera e, quando trocávamos olhares, nos breves intervalos de cada movimento do concerto, nada precisávamos dizer para entender que era muito bom estar ali, num entendimento total do idioma musical, ecumênico, que compreendíamos muito bem. Então, eu percebi que todos nós, seres humanos, não importa de que lugar tenhamos vindo ou nascido, somos possuidores dos valores e dos costumes característicos do nosso próprio povo e, por isso, temos condições para estar mais unidos, por nossa livre escolha, como semelhantes, como cidadãos universais na busca de um ideal, de um rumo convergente que possa nos conduzir à paz, ao equilíbrio interior, à nossa alegria individual e coletiva. Entendi que, nos momentos de introspecção, passamos a ter plena condição de nos voltar para dentro de nós mesmos e, reflexivos, promover, a partir daí, a saudável liberdade do compartilhamento e do bem-estar coletivo, que será conseguido a partir da nossa própria e incondicional felicidade.

(publicado no Jornal A Tribuna, de Santos, página A-2, edição de 27/09/2010)

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