"As coisas que eu sei de mim, são pivetes da cidade,
pedem, insistem e eu, me sinto pouco à vontade..." (Aldir Blanc)
Sinal Fechado. Um menino franzino, cabelos descoloridos, braços e pernas
repletos de cicatrizes, despertou minha atenção. Fiquei observando
enquanto ele movimentava uns bastões, tentando dominar aqueles instrumentos,
no intuito de mostrar uma arte que aprendera na escola da rua. Aparentava uns
doze anos, embora pudesse ter mais. Ele acabou seu pequeno número, aproximou-se
e eu dei a ele uma nota de cinco reais. Ele pegou, sorriu e agradeceu, voltando
à calçada. Ainda olhei para ele uma última vez antes de
seguir, percebendo sua expressão alheia, sem vida, sem motivação
para mais nada fazer a não ser permanecer ali, pegando uns trocados a
cada parada do trânsito.
Então, imaginei aquele menino numa casa onde o conforto estivesse presente:
boas roupas, alimentos, educação, oportunidades para uma sobrevivência
menos dolorida. Onde estaria a sua família? A sociedade tem umas diferenças
que me incomodam e eu, que também sou parte dela, o que, de fato, estou
fazendo para melhorar tudo isso?
Um garoto nessa condição, talvez sem lugar para morar, poderia
ser adotado, indo para um lar saudável, pleno em atenções
e carinhos. Seria muito tarde para isso? As famílias geralmente relutam
em adotar crianças mais velhas. Uma adoção sempre é
uma fase nova na vida do adotado e de quem adota; há de acontecer um
mútuo aprendizado, pois os seres humanos ainda sentem dificuldades para
essa nova coexistência em que há regras que ambos devem obedecer;
direitos que ambos devem ter. O bom senso nos diz que devemos aprender (ou reaprender)
a proporcionar afeto aos nossos semelhantes para poder receber de volta esse
sentimento. O adulto que adota precisará redobrar suas responsabilidades
perante um ser que vai depender dele e que com ele necessitará conviver
harmoniosamente. Não é como ter um animalzinho de estimação,
levar ao veterinário, adquirir as rações adequadas ao peso
e à raça, arrumar o seu cantinho, comprar seus próprios
apetrechos e as famigeradas roupinhas de ser humano adaptadas aos animais. Quando
a decisão for a de adotar uma pessoa, o adotante precisará estar
atento para ser capaz de exercitar a tarefa da paternidade com muito esmero,
sem se ferir e, principalmente, sem ferir aquele que anseia por uma vida mais
digna. Não querendo entrar em detalhes, entendo que as leis que regulamentam
as adoções deveriam ser revistas, para que houvesse menos burocracia
em certos casos; seria melhor facilitar o ato do que impor algumas exigências
desnecessárias e desmotivadoras ao adotante. Tais cobranças acabam
por negar um bom lar para quem dele precisa.
Ao depararmos com esses garotos poderíamos sonhar em vê-los num
lugar adequado para morar, essencial à prática de bons e proveitosos
valores, que despertariam o estímulo a novos e importantes momentos de
felicidade. Quem sabe, a partir da adoção, cada pessoa estaria
resgatando seus próprios valores, que ficaram perdidos num passado distante,
ainda quando todas as famílias eram regidas por saudáveis regras
de convivência.