A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O voo para a Luz

(Maurilio Tadeu de Campos)

Final de tarde do dia 31 de maio de 2009. O movimento no Aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, refletia a alegria e a ansiedade de uma viagem esperada. Bagagens despachadas, passagens e documentação checadas; rostos felizes, corações mais apressados, respirações mais cadenciadas, evidenciando a expectativa para a viagem. Do Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, direto a Paris, a Cidade Luz.

É agradável passear pelo aeroporto enquanto se aguarda a chamada para o embarque. Sempre é possível saborear um lanche rápido, comprar algum objeto diferente, conversar ou, simplesmente, ficar apreciando o intenso movimento de passageiros, acompanhar diversos pousos e decolagens, através das grandes janelas envidraçadas que separam a ala destinada aos passageiros, do espaço externo.

E, naquele último dia de maio, o voo que sairia do Rio de Janeiro a Paris estaria reunindo diferentes aspirações, curiosidades, inquietações, probabilidades. Alguns voltavam das férias; outros ainda iriam para uma viagem de sonhos, talvez a primeira; havia ainda quem estava a trabalho, ou a estudos. A lua de mel do jovem casal, cuja festa animada do dia anterior fora lembrada pelos dois como uma suave certificação do amor que os uniu e que os fez escolher Paris para usufruírem dias de amor e de ternura. E todos, desconhecidos, mas unidos num único destino, aguardavam a hora de iniciar a viagem. Logo depois, estariam em procedimento de embarque, alegres, concentrados, nervosos, ansiosos. O tempo transcorria e não era sentido, pois fazia parte do habitual, o que já se podia esperar de um trabalho meticuloso e organizado dos funcionários do aeroporto, e da empresa aérea.

Fico imaginando o que já deveria estar registrado nas inúmeras câmeras fotográficas ou nas filmadoras de quem retornava de um passeio; certamente haveria muito espaço nas memórias de outras, destinadas a armazenar cada flagrante da viagem que estava para começar. Penso, também, no cuidado com os trajes, mais confortáveis para uma viagem tão longa, adequados às condições dos climas das duas cidades e, sem dúvida, à atmosfera a ser sentida durante todo o voo.

O momento destinado ao embarque é único, mas muito semelhante a todos os outros: uma fila para a apresentação dos bilhetes, o caminhar pouco ligeiro até o avião, a recepção por parte dos comissários, a procura pelo acento correspondente a cada bilhete, a arrumação da bagagem de mão e os procedimentos normais do pessoal de bordo. Em seguida, os avisos de segurança e a decolagem. O avião sai do chão e inicia a subida, suavemente, ganha altura e segue, na chamada "velocidade de cruzeiro", rumo ao seu destino. Algumas horas depois, no entanto, a aeronave pareceu nos surpreender, rumando para outro plano, sumindo, repentinamente. A notícia desse desaparecimento nos deixou perplexos e os momentos seguintes foram marcados por um bizarro e inesperado silêncio. Não havia explicação razoável para o fim de todos os sonhos. Mas, aconteceu o que ninguém desejava: a estranha e definitiva partida de mais de duzentos seres humanos. Não eram nossos conhecidos, nem amigos, mas sentimos os danos decorrentes desse súbito desenlace. De repente, todos deixaram de nos pertencer, mesmo que, de fato, nunca tivessem sido, efetivamente, nossos. Mas, como seres iguais a eles, jamais iríamos querer que todos os seus (e os nossos) sonhos terminassem daquela maneira. E ficamos aqui, sem saber o que fazer, qual atitude tomar para, num passe de mágica, poder voltar o filme e trazê-los de volta à nossa convivência. No entanto, a razão logo nos faz voltar à realidade e o que fica é, unicamente, a imensa tristeza da perda.

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