A novela das seis, Sinhá Moça fez-me lembrar de um inesquecível
passeio. Século XIX, tempo áureo do ciclo do café, no vale
do Paraíba.Senti essa volta no tempo ao visitar a fazenda Taquaral, em
Valença, no estado do Rio de Janeiro.
A Sinhá, com roupa de época, recebe os visitantes em grupos.
As mucamas circulam pelos aposentos. A senhora vai contando as histórias
de seus ancestrais, que ali viveram.
Aquele local, foi uma sesmaria doada pelo vice-rei, com o compromisso de cultivar
café. A fazenda permanece nas mãos dos descendentes do primeiro
dono. Nas paredes, fotos desbotadas de todas as gerações, até
a atual.
A Taquaral conserva os móveis da época, inúmeros quartos,
salas,com imensas mesas, grandes cristaleiras com porcelanas européias
e cristais. Em formato de "O", traz no centro um jardim, com lampiões
e bancos.
Numa das salas, um velho livro de anotações, tipo livro-caixa,
com os gastos da fazenda, baixa de escravos mortos por doenças, compra
e venda de escravos, escambo de negro por cabeça de gado, venda de alforrias.
Em anexo, uma carta cordial do imperador Pedro II, para o ilustre dono, datada
de 1885.
A sensação que se tem ao adentrar aqueles quartos vazios é
que seus moradores vagueiam por ali. É como se suas marcas, impressões
digitais, estivessem nas louças, cristais, lampiões, ânforas
e até mesmo nos penicos de louça, com tampas exóticas,
peças obrigatórias nos dormitórios da época.
Nos porões da casa, todos revestidos em pedras incrustadas no barro,
podia-se ver as marcas dos dedos dos escravos que as colocaram. Ali, era a senzala.
Escura, mal iluminada, sem ventilação, chão de terra batida.
Por ali também, a sensação de pessoas circulando, crianças
chorando, correntes arrastando, lamentos, soluços...
A fazenda Taquaral ainda produz café e seu cheiro gostoso emana por
todos os cantos. Pus-me a imaginar como seria a vida daquela gente, naquele
casarão imenso, à luz dos lampiões, sem tv, sem rádio,
sem música. Às oito, todos deviam estar na cama.
A anfitriã conta que os primeiros moradores não tinham o hábito
do banho diário. As mulheres se horrorizavam em saber que os escravos
se banhavam diariamente. Era um costume que estragava a pele.Numa epidemia de
sarna, o banho diário foi aconselhado pelo médico da família
e virou costume. As salas de banho tinham tinas de madeira, onde as escravas
lavavam suas donas.
Os penicos eram usados à noite. Para o dia, existiam as latrinas escavadas
no quintal, próximas da casa.Soube que nas regiões urbanas, os
penicos eram muito usados para o fim que se propõem, mas no interior
do Brasil, as sinhás os aproveitavam para servir sopa .
Os despejos eram feitos em grandes barris que ficavam embaixo das janelas.
À noite, os negros recolhiam; não raro, estouravam por excesso
de carga no meio da rua, esparramando excremento na via pública, onde
ficavam até serem lavados pela chuva.
O vaso sanitário foi novidade na Europa em 1775. Foi inventado pelo
relojoeiro londrino Alexander CumminYs. No país-bebê, chegou em
princípios do século XX. Na Taquaral existia a novidade. Numa
outra ala, um banheiro, dos primeiros a serem construídos no Brasil:
um cômodo imenso quadrado, cerca de cinco metros de lado. Bem no centro,
um vaso de louça, como um trono, no meio daquela imensidão, branco
e sem tampo, creio que sem instalação hidráulica também.
Será que naquele tempo, existia aquele cheiro gostoso de café?
Ou o ar seria impregnado pelo cheiro de urina e fezes atiradas pelas mucamas
pelas janelas ao arrumarem aqueles tantos quartos?