"-Elogie-se! Vamos, elogie-se! Ame-se mais!" Cida estava cansada das
mesmas recomendações , todos os dias, da irmã, que vivia
devorando livros de auto-ajuda.
Na verdade, ela parecia ter compromisso marcado com a infelicidade. Só
amou platonicamente, achava-se feia e nada fazia para melhorar a aparência.
Na opinião da psicóloga, era complexo adquirido na infância.
A mãe não gostava da sogra, chamava-a de velha horrorosa e Cida
era muito parecida com a avó.. Incorporou também o "horrorosa".
Cresceu tímida e introvertida. Na faculdade, era aluna apagada, sem
grupo de amigos, evitava qualquer posição de destaque,onde pudesse
ser analisada, visualizada por uma platéia. Apresentações
individuais de trabalhos eram um desastre.. defendia-se do sofrimento negando
a necessidade de amor, tornando-se hermética, fria e, aparentemente,
insensível, incapaz de qualquer ligação afetiva.
Antes de sofrer rejeição, ela mesma rejeitava.
Não sabe como nem quando, mesmo sem querer e evitando, viu-se tremendamente
apaixonada por um vizinho recém-chegado ao prédio, estudante de
engenharia. Algumas vezes, no elevador, notava seu olhar e baixava os olhos,
timidamente. Pela primeira vez, desejou libertar-se do padrão que produzia
nela atitudes e comportamentos negativos de se relacionar com os outros.
Disposta a mudar, passou a olhar-se mais no espelho. Mesmo se sentindo ridícula,
conversava com ele. "Eu me amo...o que posso fazer por minha felicidade?"
Como se ouvisse uma voz vinda do espelho, decidiu-se por novo corte de cabelo,
algumas mechas louras, optou por lentes de contato e aposentou os óculos
tipo fundo de garrafa. Aos poucos, foi percebendo que não era nada feia,
tinha olhos e sorriso bonitos.
Levou muito tempo para entender que precisava amar-se primeiro para depois amar
os outros.
Passou a usar roupas mais modernas, aprendeu a maquiar-se. Uma coisa puxava
outra, cada vez que se sentia mais admirada e bonita.
Uma tarde, no elevador, encontrou o bonitão, estudante de engenharia,
abraçadinho com uma garota. Não baixou os olhos. Encarou-o. Sentiu
ligeira agitação no coração, uma certa decepção,
mas não doeu muito.
No hall do edifício, olhou-se no espelho, ajeitou os cabelos., ganhou
a rua e correspondeu com simpatia aos olhares dos estudantes que aguardavam
o ônibus da universidade.
O ônibus parou. Todos abriram uma ala para que Cida subisse primeiro.
Já dentro do veículo, observou divertida, que eles se apressavam
como se apostassem corrida para ocupar o lugar vago ao seu lado.
Pela primeira vez, sentiu-se poderosa e capaz. Nem melhor nem pior que as outras
meninas, apenas pronta para competir com elas.