A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Burcas, Clóvis e Carnavais

(Luciana do Rocio Mallon)

Meu nome é Luciana do Rocio e tenho Fobia Social, que é uma espécie de timidez excessiva misturada com angústia quando tenho que encarar certas situações. Sempre fui uma estudante dedicada, pois o meu sonho era ser bem-sucedida. Porém, apesar do meu esforço, a vida não foi legal comigo e continuei pobre. Enquanto minhas colegas baladeiras na adolescência tornaram-se ricas. Ultimamente tenho um surto de vergonha todas as vezes que, sem querer, encontro estas criaturas na rua. Afinal elas contam vantagens o tempo inteiro. Por isto sinto-me diminuída e o pior é que tenho vontade de sumir. Houve uma época em que quase todos os dias eu avistava estes seres e desaparecia por dentro. Por isto, num dia de inverno muito frio, resolvi sair com uma espécie de burca preta. Apesar de atrair olhares pelas ruas, eu sentia-me livre e muito contente. Afinal passei pelas minhas ex-colegas sem ser reconhecida e isto tornou-se uma vitória para mim. O problema foi que dois guardas me pararam e me fizeram tirar a veste, que ficou em poder deles. Logo pensei:

- No Brasil há uma falsa democracia, onde uma mulher pode sair de top e mini-short pela rua sem ser presa. Porém, se alguém desfilar de burca é parado pelos guardas.

Cheguei em casa chateada, mas tal situação me fez lembrar do Carnaval dos meus cinco anos de idade.

Quando eu era criança meus pais me levavam para o baile carnavalesco infantil do clube. Apesar de estar fantasiada, sempre tinha vergonha de sambar com medo de que as pessoas caçoassem de mim. Em 1979, antes de ir ao clube para pular Carnaval, meus pais aproveitaram para visitar o tio Nivaldo e minha prima Loureci. Quando esta moça me viu em uma fantasia simples de índia americana, ela disse:

- Esta sua veste está muito humilde!

- Eu emprestarei para você uma fantasia de Clóvis, o bate-bola.

A jovem pediu para que eu vestisse o traje, que parecia um macacão de pierrô acompanhado com uma máscara colorida e uma bola de meia. Quando coloquei aquele objeto no meu rosto, senti uma magia pelo ar acompanhada com uma brisa de liberdade. Assim fui fantasiada de Clóvis, o bate-bola para a festa carnavalesca do clube. Como eu estava mascarada não senti vergonha de dançar e aquele foi o melhor Carnaval da minha vida.

Hoje fui convidada para um baile à fantasia que acontecerá daqui a quinze dias. Talvez eu use uma burca ou vá fantasiada de Clóvis, o bate-bola.

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