Em épocas mais amenas, o primeiro dia de maio era aguardado com expectativa
satisfatória pelos trabalhadores em geral. Este sim, um feriado merecido
para aqueles que alavancam o crescimento do país, ao contrário
de outros criados para reduzir o avanço da cadeia produtiva e emendar
o final de semana.
Neste dia especial, passeando com a família na orla da praia, lanchando
nos parques, visitando o zoológico, almoçando com a doce sogra
ou mesmo fazendo uma reforma do telhado, o trabalhador sério aguardava
curioso o anúncio do aumento do salário-mínimo. Esta ocorrência
não chegava a ser adequadamente justa, mas de alguma forma permitia que
famílias menos capacitadas profissionalmente afrouxassem o cinto por
uns 6 ou 8 meses. Sempre houve interesse das elites em não dar muito
oxigênio aos menos afortunados, pois desta forma conseguem mão
de obra a baixo custo para os serviços de menor reputação
(mas essenciais a todos nós - imaginem as latrinas sem lavar por uma
semana) em seus palacetes e fazendas.
Com o advento eufórico da implantação computadorizada desordenada
e desplanejada das indústrias, dos escritórios e dos serviços,
grandes grupos de funcionários diversos foram marginalizados sem o preparo
paulatino (foram largados à sorte) adequado para empreenderem nova luta
em busca de outras atividades rendosas. Pois elas existem.
As invasões de chips que dão maior rapidez e segurança
às atividades pesadas, certamente eliminaram muitos postos de trabalho.
Por outro lado, novas atividades se fizeram necessárias. Os chips precisam
ser monitorados, pois a falta de energia ou o aquecimento mais acentuado podem
lhes causar danos nos circuitos lógicos. As partes mecânicas não
dispensaram os lubrificadores e equipes de manutenções periódicas.
Alguém precisa reciclar as toneladas de plástico descartadas,
bem como as baterias de celulares e outros artefatos que não são
reaproveitados sem tratamento adequado. Ferrovias precisam ser recuperadas mesmo
contra o desejo das montadoras estrangeiras. Casas precisam ser construídas
(uma forma de eliminar algumas favelas e humanizar outras). Rios precisam ser
dragados e tornados navegáveis. Se colocarmos robots para podar árvores,
eles podem cortar os fios telefônicos e acabar "paralisados".
Seria hilariante.
Os elementos munidos de alta habilidade (manual e/ou mental) podem fazer uso
desta característica (alguns chamam de "jeitinho") para manterem
alguns equipamentos funcionando por mais algum tempo. O cuidado com o meio ambiente
(e o ambiente inteiro) tornou-se vital para que não nos suicidemos coletivamente
com velocidade. E mesmo com toda esta evolução cibernética,
as fontes precisam ser realimentadas, pois florestas e outros componentes da
natureza não são eternos. Os computadores chegaram aos campos
para tornarem-se aliados dos agricultores, camponeses e vaqueiros. Mas sem os
pássaros não conseguem transportar o pólen pelos campos
verdejantes.
Com o advento da filosofia do descartável e uso de novas fontes de energia,
em função da demanda populacional crescente, sem dúvida
atividades antigas necessitam de novas vagas: lixeiros, policiais, enfermeiros,
bombeiros, técnicos de trânsito urbano, tratadores de peixes, guias
turísticos, catadores de lixo selecionado, capatazes, monitores de shoppings,
fiscais, auditores, fiscal de políticos, etc.
Então, como pode estar faltando emprego? Em nossa visão pelos
seguintes aspectos básicos relegados ao terceiro plano:
1) A ânsia desenfreada dos aplicadores em recuperar em 1 ano o investimento
realizado. Antigamente o prazo girava em torno de 5 anos. Mas agora preocupam-se
em privilegiar o capital em detrimento das virtudes humanas, que bem desenvolvidas
podem produzir novos ganhos num eterno ciclo lucrativo, nos dando tempo de viver.
2) A complacência dos administradores públicos incapazes que se
deixam conduzir pela vaidade de se eternizarem nos postos de comando através
de placas nas obras de superfície e pela ganância em obterem "comissões"
pela atuação conivente em permitir a queda da qualidade de vida
da comunidade que os elegeu. Criam elevados encargos estúpidos que desestimulam
a geração de novos postos de trabalho.
3) A falta de preparo mínimo de cada indivíduo para perceber novas
oportunidades onde possa desenvolver suas habilidades anteriores com um pequeno
aprendizado. Cada um de nós não luta para se valorizar e se rende
às migalhas oferecidas.
4) As faltas de chances a serem oferecidas aos que desembarcam no mercado selvagem.
Um recém formado cheio de títulos e vontade chega ao local da
esperança e encontra uma exigência "burrocrática"
que lhe pede "experiência anterior". Esta contradição
pode ser vencida com boa vontade por parte dos que realmente pretendem ajudar
na mudança deste cenário sombrio.
5) A demagogia das igrejas e templos que pregam a multiplicação
familiar desregrada de seus rebanhos ao invés de colaborarem no esclarecimento
honesto das formas de controle da natalidade que permita a criação
saudável de seus filhos de acordo com as perspectivas da renda familiar.
6) A falta de percepção da sociedade como grupo, que está
demorando a compreender que é forte quando unida e voltada para um objetivo
comum. Não possuem metodologia adequada para pressionarem as diversas
entidades que surgem a cada semana e as seculares que se acomodaram sobre seus
louros. Os desencontros de informações e análises precipitadas
estão levando o "po(l)vo" a se suicidar com seus próprios
tentáculos.
7) A falta de um projeto educacional para os próximos 30 anos, que deveria
ser administrado por elementos da área educacional e não por políticos
que a cada mudança de governantes nas diversas esferas do poder, estancam
o andamento da esteira de formação de uma geração
habilitada a elevar a qualidade de vida de um povo anestesiado e que por isto
rotula de "gênio" um infeliz que consegue pronunciar uma frase
com 5 palavras num show de tv dentro de uma casa fechada e com câmeras
até dentro do vaso sanitário.
A junção destes fatores (e outros não ilustrados) fez com
que nos últimos 15 anos o dia do Trabalhador deixasse de ser uma data
marcante. As propostas de reajuste (aumento, nem pensar) passaram a ser temas
de chacotas em programas humorísticos e gabinetes políticos. E
os penalizados se limitam a lamuriar nos muros das lamentações
(ou nos balcões dos bares). Os mais desesperados se imolam com fogo diante
do palácio governamental.
Que haja tempo de se mudar o rumo da embarcação que conduz nossa
pátria em direção do iceberg monstruoso da desordem social
e que nos jogará dentro de um buraco negro (tendo em vista que não
há luz no fim do túnel desabado). Que as cabeças iluminadas
capazes de elaborar lindas canções, brilhantes versos e precisos
editoriais deixem de ser egoístas e estabeleçam pactos que contaminem
maciçamente outras esferas da sociedade para que se unam para editarem
um manifesto nacional exigindo o direito de concedermos aos nossos herdeiros
um futuro palpável e viável para servir de base ao projeto de
vida desta nação que claudica quase sem fôlego e ainda não
encontrou o caminho de sua real independência. Será um exercício
pleno de cidadania que certamente marcará nossa história e dará
orgulho a todos nós, participantes desta cruzada.
Podemos aproveitar este dia primeiro de maio para começarmos a rascunhá-lo.
Podemos mudar o roteiro original escrito pelos abutres do planeta, que nos deram
o papel de eterna colônia e que aceitamos passivamente, como se em nossas
veias corressem glóbulos amarelados que não conseguem aquecer
nossa indignação a ponto de reverter o futuro sombrio que estamos
preparando para nossos herdeiros.