A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Sem remo, sem rumo

(Haroldo P. Barboza)


Ultrapassamos os 500 anos de existência cheios de entusiasmo, assim como um adolescente que completa maioridade e acredita que a partir deste momento tornou-se independente e apto a dar rumo à sua vida, por sua própria conta.

No entanto, ainda somos tolos inocentes que ainda não nos livramos das amarras ditadas por forças externas, que a todo custo, tentam se apossar de nossas riquezas, após terem esgotado suas próprias fontes durante séculos de devastação.

Reunimos um cenário de causar inveja a qualquer potência mundial, por ocuparmos a parte melhor contemplada no planeta. Temos rios abundantes de água e peixes, esplêndidas praias extensas e uma agricultura que encobre um solo rico em minérios valiosos, compondo um celeiro para abastecer o globo por mais 500 anos. Possuímos um coração gigante, que abraça gente de todas as partes do mundo, sem distinção, gozando das mesmas regalias e oportunidades dos nossos nativos. Paradoxalmente, não valorizamos os poucos indígenas que ainda nos restam e que oprimidos, ainda guardam nossa herança inicial. Somos donos de
uma força enorme para superar as eventuais adversidades que assolam nossas populações, quando a Natureza protesta contra nossa falta de senso em preserva-la. Neste instante, a solidariedade une todas as camadas no esforço de ajudar aos atingidos pelo destino. Mas este espírito não perdura o tempo necessário para erguermos os alicerces de sustentação de nosso projeto de vida.

Passada a borrasca, rapidamente nos deixamos deslumbrar com aparatos bem montados pela mídia, que comercializa e enaltece a boa qualidade de vida, que só está disponível para uma minoria privilegiada. Logo nos esquecemos de nossos irmãos menos afortunados, sem cultura, doentes, esfomeados e destelhados, que teimosa e heroicamente sobrevivem sob condições adversas. Trocamos nossas riquezas brutas, por belos artesanatos de plástico, movidos a pilhas.

Nós, que produzimos mestres em diversas áreas (futebol, música, medicina, moda, etc), não conseguimos manter aqui nossos ídolos. Eles são atraídos para o estrangeiro, onde existem recursos que lhes permitem desenvolver e valorizar suas habilidades físicas e intelectuais. Somos capazes de desenvolver nossos próprios produtos, voltados para nosso estilo de vida. Mas somos doutrinados a importar os pacotes que trazem em seu bojo, funções desnecessárias à nossa rotina. Custam caro e nos endividam eternamente. E não somos capazes de impedir a saída ilegal de nossa madeira, nossa fauna, nosso minério, nossos pesquisadores.

Os que se beneficiam deste quadro sombrio, se rotulam de otimistas e alegam que nós, que levantamos estes temas, somos pessimistas, que só enxergam a parte perdida do processo. Os tais otimistas, fingem não perceber que estamos condenados à condição de eterna colônia sob o jugo do metal (arma ou dinheiro). Perenes escravos daqueles que comandam o mundo de forma gananciosa, que gastam bilhões em poderosos foguetes e armas, que poderiam doar sementes aos esfomeados que os ajudaram a enriquecer. Será que somos um bando perdido pelo deserto da ignorância, sem ídolos vivos que possam nos dar exemplos para seguirmos e ensinarmos? Ou teremos de nos contentar em idolatrar os filmes enlatados que veneram os heróis estrangeiros? Ou no máximo, suspirar por um inocente que no Big Bobo Brasil é rotulado de "gênio" quando consegue emendar 5 palavras numa frase?

Mas ainda há tempo. No limiar deste século, estamos iniciando o período de nossa sofrida maturidade. As consciências estão despertando, se libertando da escuridão do desconhecimento. Apesar da acomodação de nossa sociedade, nossos jovens, que a cada geração nos surpreendem mais cedo com seus questionamentos quanto à visão de vida que lhes passamos através dos ditados discriminatórios, que inteligentemente contestam dogmas e paradigmas arcaicos que amordaçam a criatividade, certamente nos conduzirão à trilha que nos levará à descoberta de uma melhor qualidade de vida, sem precisar pisotear os menos afortunados. E conseguirão isto com apenas três ingredientes bem dosados : perseverança, amor e esperança. O tempo que isto vai demorar, depende de quantos da NOSSA geração tentarão atrapalhar.

Se deixarmos o país à deriva, os piratas da globalização continuarão a se apossar de nossas riquezas por não encontrarem resistência por parte dos nativos que ainda não encontraram sua verdadeira identidade.

  • Publicado em: 13/01/2006
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente