Ouvimos constantemente esta frase, e nem sempre nos damos conta da veracidade
e sabedoria que ela contém.
Na realidade, hoje é comum nos envolvermos em situações
atípicas em nossa rotina.
Em São Paulo, mega metrópole que abriga uma quantidade sem limites
de pessoas, histórias, cenários e toda uma complexidade, é
mister que se tenha bom humor a se exercite a capacidade de sorrir nos mais
inusitados contra tempos.
Um amigo iniciou seu dia como sempre, de forma natural, cumprindo quase que
um ritual, onde observar horário, locais é imperioso.
Ele se utiliza do metrô para chegar ao trabalho e assim, como sempre faz,
foi até a estação onde embarca diariamente.
Era bem cedo, seis e meia da manhã, mas São Paulo é uma
cidade que não adormece nunca. Seja qual for o horário sempre
encontraremos pessoas e uma certa movimentação.
Um tanto sonado estava aguardando a condução quando foi abordado
por um senhor. Estava este, bem vestido, possuía um ar respeitável,
como se costuma dizer, embora me questione por vezes este conceito, que me parece
ter perdido o senso comum que o caracterizava há tempos passados. Cabelos
bem aparados, portava nas mãos uma pasta de executivo, o que lhe dava
um ar de produtividade implícita, e uma quase seriedade no olhar, um
tanto formal, embora sereno.
Pediu ao meu amigo, se poderia fazer a gentileza de segurar sua pasta enquanto
tentaria encontrar sua carteira, que havia derrubado, provavelmente ao passar
o bilhete para ter acesso ao metrô.
Prontamente meu amigo pegou a pasta e observou distraído a corrida, bastante
incompatível à imagem quase plácida, do estranho que o
abordara.
Viu quando o mesmo desapareceu na escada que o levaria ao piso onde ficava a
catraca mencionada.
Naquele momento passou-lhe vagamente pelo pensamento, que o tal estranho era
uma pessoa bem controlada, uma vez que não deixara expressar em seu rosto
a aflição que imaginava devia estar lhe corroendo o espírito.
Afinal ninguém perde sua carteira no início do dia em São
Paulo e conserva-se tão sereno e impassível.
Neste momento, como se fosse atingido por um raio, toda uma gama de horrores
desfilaram em sua mente. Em questão de segundos compôs histórias
de verdadeiro terror. Era o estranho um terrorista que lhe passara a bomba que
iria explodir o metrô. Não, um membro de quadrilha seqüestrando
o trem através de controles eletrônicos que estavam instalados
na maleta.Ou haveria uma quantidade absurda de drogas que ele transportaria
inocentemente! Não, quem sabe haveria nesta pasta documentos comprometedores
de altos executivos que seriam resgatados em meio ao trajeto por algum cúmplice!
Absolutamente sem cor, tremendo, vivendo um inferno que faria Dante parecer
ingênuo, e quase prestes a perder os sentidos, num ímpeto de autodefesa,
dirigiu-se à beirada da plataforma e atirou a pasta sobre os trilhos,
sentindo-se aliviado, e como um verdadeiro herói. Havia impedido um atentado,
ou talvez um seqüestro coletivo, quiçá, um contrabando considerável,
ou anulando atos de corruptos que finalmente teriam que
responder por seus feitos.
Ah!... Que sensação deliciosa é o sentimento nobre de ser
protagonista numa história real. Sua feição transformou-se,
do horror que retratara há alguns minutos e passou ao sorriso mais doce,
emitindo um brilho no olhar quase digno de Tom Cruise!
Tão embevecido estava com sua performance e tão inebriado por
sua coragem e presença de espírito que quase se assustou ao ser
cutucado nas costas...
Virou-se com o sorriso ainda a postos, pois nem houve tempo para guardá-lo.
E deu com o estranho da maleta, que para seu total espanto sorria também.
Erguendo as mãos mostrou uma carteira de couro marrom, não muito
nova, mas percebia-se que de boa qualidade.
Mal registrava as palavras pausadas que o estranho pronunciava, de certa forma
com um certo carinho até.
Muito obrigado por ter me ajudado! Encontrei minha carteira como que por milagre.
Não era tanto pelo dinheiro, pois este guardo na maleta. Ganhei esta
carteira de minha filha, que a comprou com seu primeiro salário, e a
qual me acompanha há um bom tempo. E minha pasta, ganhei de meu filho,
quando eu consegui finalmente me formar após tanta luta de todos nós.
Hoje em dia, é difícil encontrar pessoas como o senhor, normalmente
são todos tão desconfiados que não se dispõem a
ajudar mais ninguém.
Enquanto falava nem percebeu que meu amigo havia se jogado sobre os trilhos
numa acrobacia que poucos acreditariam se ouvissem sua história!