Outro dia, fiquei sabendo de uma passagem muito interessante. Envolvia
um conhecido meu, um homem inteligente, educado, bem preparado e portador de
uma fé inabalável.
Contou-me que estava passando por uma crise existencial, portanto
procurava compreender certas coisas que, a seu ver, pareciam fora de lugar,
mas que não poderiam ser desta forma.
Sendo homem bem humorado e de uma espontaneidade encantadora,
passou a relatar-me o ocorrido com ele, neste episódio.
Decidiu que deveria investigar para que serenasse de vez seu espírito.
Sempre foi pessoa religiosa, e nunca aceitou a fé cega, por acreditar
que Deus deu a inteligência ao homem para ser usada em todos os aspectos de
sua vida, inclusive na religiosidade.
Assim, meu amigo achou por bem marcar uma hora com o vigário da
paróquia, para que pudesse discutir suas dúvidas, com quem poderia
auxiliá-lo.
Feito isso, aguardou com ansiedade o tal encontro, e de certa forma
preparou-se para ele, pois desejava ardentemente esclarecer suas cismas.
No dia de sua entrevista com o vigário, lá foi ele todo entusiasmado,
certo de que haveria de esclarecer alguns pontos, que considerava
importantes.
Lá chegando encontrou uma boa acolhida por parte do religioso e foram
os dois sentar-se na sala, iniciando uma conversa que logo se mostrou
inflamada.
Meu amigo foi discutindo o ponto principal de sua inquietação. E com o
cuidado de quem já repassou incansavelmente o assunto, expôs suas conclusões
e observações ao seu interlocutor.
Horas depois, o diálogo se estendia sem que ambos conseguissem chegar
a um consenso, pois meu amigo quando busca entender um assunto, não se
contenta até que realmente o tenha absorvido com clareza.
O vigário, já com o tempo esgotado, e exasperado com a postura
obstinada de sua visita, num ato de puro desespero e impotência, levanta-se
e pronuncia uma frase encerrando a conversa:
- Meu filho!... Se Deus enviasse um anjo para conversar com você, por
certo retornaria ao paraíso completamente desnorteado! Vá para casa, reze e pare de ficar querendo entender certos mistérios!
Um tanto espantado, meu amigo se retira, despedindo-se educadamente
Embora acatasse o conselho de seu companheiro de conversa, saiu de certa
forma frustrado. sentindo que não havia resolvido suas pendências.
Era por natureza um homem obstinado, não se dava facilmente por
achado.
Resolveu dar uma passada na Igreja, quem sabe teria alguma luz ao
buscar auxílio na casa de Deus!
Entrou na Matriz, foi direto para a capela do Santíssimo, e lá se
acomodou pondo-se a dar vazão aos seus sentimentos.
Com uma calma atípica ao seu temperamento, contou-me ele que expôs a
Deus suas dúvidas, narrando como havia buscado esclarecimento junto ao
vigário, e como foi que havia decorrido a tal conversa. Deixou claro que não
estava vindo reclamar, pois havia percebido o esforço sincero por parte do
religioso em ajudá-lo e reconhecia todo empenho que houve na tentativa de
resolver o assunto ainda que não obtivesse sucesso. Assim, não era sua
intenção reclamar, apenas contar-lhe que, por orientação do próprio padre,
não deveria mais se questionar sobre esse assunto.
Via-se então numa situação penosa, em que se sentia obrigado a não
mais utilizar a inteligência que Ele próprio havia lhe oferecido!
Como era de boa paz, faria o seguinte. Não mais iria mexer no assunto
e passaria sua vida, acatando simplesmente a orientação dada pelo padre. No
entanto, queria pedir ao senhor um favor.
Pretendia viver muito ainda, mas, um dia sabia que iria ter com Deus
pessoalmente. Assim, solicitava com antecedência que lhe fosse designada uma
"horinha", nada demorado, mas era de suma importância que já agendasse esse
encontro, para quando ao paraíso chegasse.
Satisfeito por ter resolvido parte do problema, antes de se retirar
ainda ousou mais. Disse ele a Deus:
- Pai, não desejo me intrometer em Seus assuntos, longe de mim tal
pretensão! Mas já que irá marcar este encontro. nesta oportunidade
certamente esclarecerá minhas duvidas, e já que estaremos mais à vontade,
aproveitarei para dar-lhe umas idéias, coisas simples, mas que poderiam
melhorar sua criação!
Dito isso, saiu tranqüilamente da Igreja, feliz por ter se entendido com
Deus.
Ouvi esta história, admirada. E pensei comigo: Isso é que é espírito
participativo!