Tudo começou numa cidade do interior de Minas Gerais por volta dos anos
40. Cidade esta marcada pela religiosidade e impregnada de supertições
das mais variadas.
Numa família tradicional da cidade, havia uma menina, de mais ou menos
sete anos, que se sentia às vezes perdida em meio aos adultos. Por ser
filha única, passava grande parte de seus dias em companhia de adultos
e conseqüentemente sentia-se perdida entre os dois mundos, da infância
e dos adultos.
Na igreja principal da cidade, havia a imagem de um anjo, comum em várias
igrejas, naquela época. Esta imagem continha um dispositivo tal que, quando
se colocava a doação nas mãos da imagem, era acionada uma
alavanca que mexia com o pescoço do anjo e este fazia um movimento, como
que agradecendo ao doador.
Todos comentavam sobre a imagem do anjo da guarda que agradecia gentilmente aos
que ofertavam esmolas à paróquia.
Nossa personagem, menina faceira e muito esperta, vivia pedindo aos pais e avó
que a deixassem oferecer esmolas ao anjo, pois estava louca para vê-lo agradecer
a ela, pela ajuda prestada.
Naquela época, era costume tratar as crianças de maneira bem diferenciada
de hoje. Eram como seres à parte. Não participavam de conversas
de adultos, aliás, nem era permitida a permanência das mesmas em
locais onde estivessem ocorrendo qualquer atividade com os adultos. Sendo assim,
ninguém jamais levava a sério os pedidos insistentes da menina,
que não se conformava em não ser atendida em algo que, a seu ver,
nada demais tinha.
Assim, cansada de tanto falar sem ser levada a sério, passou a juntar a
duras penas todo trocadinho que lhe era destinado, para que pudesse enfim, realizar
seu sonho que era receber o agradecimento do anjo.
Claro que para ela era como se o anjo tivesse vida própria, pois na cabeça
de uma criança, daquela época, nada mais fantástico que um
anjo vivo habitando a mesma cidade que ela...
Após um tempo que para ela representou a eternidade, enfim julgou que suas
economias estavam dignas de serem ofertadas ao anjo.
Arrumou-se toda no domingo, e muito feliz dirigiu-se à missa com sua família,
desta vez sem resmungo algum, fato que chamou atenção dos pais,
mas tão habituados a não perder tempo com crianças, não
deram maior atenção ao fato.
Após o término da missa, enquanto todos se reunião na porta
da igreja para as fofocas habituais, toda faceira e radiante a menina dirigiu-se
ao anjo e colocou sua oferta mal se contendo de expectativa.
Qual não foi a decepção da menina, quando ao colocar sua
prenda o anjo sequer se moveu. Imóvel a menina parada na frente do anjo
estava estática. Olhos brilhando, arregalados com uma expressão
de surpresa, mal piscava. Por alguns minutos permaneceu parada, aguardando o tão
esperado agradecimento, sem acreditar no que via.
Aos costumes os adultos nem tomaram conhecimento do que se passava na entrada
da Igreja, perdendo assim a oportunidade de ir ao auxilio de tão desconsolada
criatura.
Não demorou muito para que os amigos se dispersassem e então os
pais da garota a chamaram, e tornaram chamar impacientes quando não foram
imediatamente atendidos.
Indignada a menina, a estas alturas, estava furiosa e completamente revoltada
com este anjo enjoado que não teve a delicadeza de agradecer-lhe depois
de tanto sacrifício que fez para juntar as esmola que doou.
Mais que depressa teve a idéia de tomar de volta seu rico dinheirinho,
mas, o dispositivo que engolia a doação, este estava funcionando
perfeitamente bem, e como a menina desconhecia por completo toda essa engrenagem,
ficou ainda mais furiosa e olhando de lado, como estivesse meio encoberta pela
folha da porta da igreja, com isso não estando à vista dos adultos,
num arroubo desenfreado de ira infantil, avanço no pescoço do anjo
e tanto o sacudiu que quebrou a mola que havia sido travada e a cabeça
do anjo pendeu com tudo para frente.
Para horror da menina, não só o anjo se recusara a agradecer-lhe
como agora havia desfalecido, o que a apavorou, levando-a a sair em disparada
da igreja, com medo de que fossem culpá-la pelo mal súbito do pobre
anjo.
Nenhum adulto percebeu a rapidez com que a menina resolveu obedecer-lhes comportando-se
maravilhosamente bem, sem que causasse qualquer desconforto a eles, o que agradeciam
aos céus e tomavam, pressurosos, como graça que mereciam por tantas
caridades e pequenos esforços que faziam em prol da igreja!
Ao chegar em casa, a menina correu para seu quarto e durante horas chorou compulsivamente.
Tanto barulho fez que atraiu para si a atenção geral da casa e toda
a família se reuniu a fim de descobrir o que poderia estar acontecendo,
já achando que algum mau se abateria sobre o lar deles.
Por fim, a avó, um ser mais lúcido do que qualquer membro daquela
eminente família abastada, dirigiu-se ao quarto e ouviu por fim toda a
história de sua neta.
Ao terminar de contar sua estranha experiência, a menina ainda comenta;
Mas vovó fique sossegada este falso anjo, interesseiro e sem educação,
julgou que por eu ser criança ele poderia me negar o reconhecimento que
sempre manifestou a todos... Mas o que ele não esperava é que eu
não fosse bobinha e assim, como ele alem de tudo não quis devolver
meu dinheiro, torci-lhe o pescoço, vovó, e o estrangulei como fazem
com os frangos em nossa fazenda vovó. Assim, nunca mais vai esquecer de
agradecer para ninguém!
A avó estarrecida ouvia o estranho relato da neta, sentindo como se o mundo
estivesse desabando...
E, nunca mais, desde aquela data, se ouviu falar na gentileza famosa do anjo da
cidade.
Quem hoje passar pela igreja principal desta cidade, encontrará uma imagem
de um anjo, cabisbaixo e tímido, que não tem coragem de encarar
os visitantes...