A fidelidade é algo tão delicado que, via de regra, envolve situações
bastante conflitantes e desastrosas.
Nossa história hoje é tragicômica, para se dizer o mínimo,
uma vez que ocorreu com uma pessoa que sempre primou pela impecabilidade de
atitudes.
Nosso protagonista, pessoa digna, de caráter firme, formação
tradicional e valores bastante edificados, viu-se tentado por circunstâncias
da vida. Casado, com dois filhinhos, foi sempre exemplo de dedicação e
responsabilidade.
Estava realizando um projeto para a firma que trabalha, projeto este em parceria
com outra empresa do ramo. Foi indicada uma secretária da tal empresa,
para acompanhá-lo, e sem que pudesse opinar, viu-se convivendo, quase
dez horas por dia, com a moça em questão. De conduta um tanto
duvidosa, passou a envolver nosso personagem, que relutava heroicamente, numa
situação constrangedora, e difícil de conduzir.
De maneira impecável, realizava o trabalho sem deixar-se enredar pelos
apelos dos sentidos.
Resistiu o quanto pode, até que um dia, não mais suportando tanta
pressão, acabou cedendo a tentação.
Após se organizar, em meio a muito nervoso e alterações
de ânimo, ligou para a esposa e avisou que não tinha hora para
chegar em casa, por conta de uma reunião emergencial. Suava frio ao desligar
o telefone e já antecipava o remorso que sentiria.
A noite foi um total desastre, com todos os desencontros possíveis e
imagináveis, e depois de tanta confusão, acabou discutindo com
a jovem e nem aconteceu o tal encontro, embora houvessem passado considerável
tempo juntos.
Chegou em casa de madrugada, exausto, estressado e com um drama de consciência
enorme, atrapalhando-o no descanso merecido.
Dia seguinte, sábado, era dia do churrasco em família, já
programado há semanas. Todos se preparavam animados e nosso herói,
esforçava-se para demonstrar um entusiasmo, que estava longe de sentir.
Tanto queria agradar sua esposa que se ofereceu para levar a sogra e desviou
um bom tanto de seu caminho, apenas para fazer a gentileza, que acreditava,
agradaria sua companheira.que aos seus olhos havia sido magoada, mesmo sem o
saber...
Já a caminho de Pinda, onde aconteceria o tal churrasco, em dado momento,
atormentado como estava seu espírito, distraiu-se na direção
e por pouco não colide com um carro que estava ultrapassando.
Todos se assustaram, mas não passou de um mau momento, nada que uma boa
e súbita freada não tenha resolvido.
Neste momento, com a brusca freada, algo bateu em seu pé, e ao olhar,
horrorizado, reconheceu um sapato de mulher.
Em pânico, suava, mal respirando, sofrendo todas as penas que uma consciência
pesada pode causar. Sem que percebessem, aproveitando-se do alvoroço
que o susto havia causado em todos, conseguiu pegar o tal calçado, e
bem devagarzinho, foi disfarçando e conseguiu por fim, jogar janela a
fora, num esforço hercúleo para se controlar.
A essas alturas, tinha certeza que teria um colapso ou algo pior. Seu desespero
era tanto que apenas conseguia orar para que chegasse ao seu destino vivo, sem
machucar a família.e se propondo a nunca mais em sua vida, se quer pensar
em fazer algo errado.Tinha quase certeza que o enfarte o rondava sinistramente.
A família, desconhecendo seu estado de espírito, agitava-se normalmente.
Como todo grupo que conta com duas crianças, iam cantando, brigando,
enfim... vivenciando a rotina de uma viagem familiar.
Finalmente chegaram... Aliviado, nosso amigo, desliga o carro agradecendo aos
anjos por ter sido poupado da mais terrível situação que
nem em pesadelos sonhara passar.
Nesse momento, a sogra se manifesta, perguntando onde está o pé
de seu sapato, que não há meio de encontrar.
Todos iniciam a busca e em meio a palpites e reclamações ninguém
observa a cara apatetada de nosso protagonista, que sem cor, começa a
perceber o que havia acontecido.Agora começa a Ter certeza que seu fim
está próximo, tal o desespero que o envolve!
Com a sogra já perdendo a paciência e brigando além da conta,
ele acaba tentando convencê-la de que havia saído de casa sem o
outro pé...fato que seria impraticável, uma vez que o sapato em
questão era de salto alto, mas mesmo assim, ele tentava com todas os
argumentos possíveis convencê-la disto.
Neste momento, o filho mais velho, de seis anos, fala com a candura apenas reconhecida
nos querubins de igrejas antigas.
- Mas papai será que não foi o sapato da vovó que você
jogou no meio da estrada!