A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Coisas que acontecem...

(Priscila de Loureiro Coelho)

Era hora do almoço, a cidade toda se movimentava tipicamente, externando a agitação do meio dia.

Trânsito congestionado, calçadas agitadas por pessoas que se esbarram distraidamente, sem que se dêem conta, pois estão envolvidas demais em seus pensamentos.e os compromissos que terão de cumprir ainda, no período da tarde.

O sol, escancarado, abraça as praças, avenidas e ruas, acolhendo esta comunidade nos braços com a sabedoria de quem prevê a necessidade de um apoio adicional, que permita a ela expressar-se mais calorosamente.

Numa loja de eletrodomésticos, um vendedor, já um tanto esgotado, lança mão de suas últimas tentativas para efetuar uma venda.

A cliente em questão está já há hora e meia, decidindo-se a respeito de um liquidificador.e a cada vez que parece decidir-se a adquiri-lo, retorna a questão do apagão, e inicia novamente suas querelas sobre a possível compra.

Já exausto, faminto e desiludido, o vendedor sente que sua paciência esgotou-se e resolve fechar definitivamente a situação. Com toda diplomacia que os meses de tão delicada atividade, lhes proporcionaram, inicia sua campanha.

A senhora tem toda razão, não deve mesmo adquirir um eletrodoméstico, uma vez que no final estará levando para casa uma dor de cabeça considerável.

- Veja bem - continua ele, empenhado em esclarecer seu ponto de vista - Poderá aumentar seu consumo, o que implicará em multa e quem sabe em alguns dias de total escuridão, o que poderá ser resolvido com algumas velas e lanternas, que evidentemente, a senhora deverá adquirir as pressas.e ao religarem, receberá um custo adicional pela taxa do

serviço, e seu orçamento poderá estourar, o que a levará a entrar, possivelmente, no chegue especial!

- Céus! espanta-se a senhora, que arregalando os olhos deixa claro os efeitos que as imagens criadas pela descrição, de tão didático vendedor, lhe passa.

- Os juros e encargos que dele irão resultar, ...continua o protagonista deste enredo, acarretará num possível empréstimo que terá de fazer para cobrir o saldo devedor. Obviamente que poderá fazê-lo e dividir em prestações de até doze meses, que implicam juros fixos e mais baixos que outras formas de empréstimo. Sim. E sempre haverá a possibilidade de penhorar suas jóias e liquidar de uma só vez o empréstimo, quando não tiver mais conseguindo liquidar as prestações mensais... Bem, não se pode descartar a possibilidade de que a senhora perca suas jóias, uma vez que vencendo o prazo, não tenha em mãos a quantia necessária para liquidar seu compromisso. Mas também, não se desespere, evidente que ainda poderá tentar uma casa de bingo... talvez a mega esteja acumulada naquela semana... quiçá o carnê do Baú... nunca se sabe... e talvez a senhora... a senhora... senhora?

Neste momento o vendedor se dá conta que sua ouvinte desapareceu...passa rapidamente os olhos em toda loja, de um lado, de outro e nada...

Quando julga que havia se livrado da razão de seus "ais",...percebe um movimento estranho no caixa e para lá se dirige curioso...

Um tanto espantado se dá conta de que sua cliente encontra-se no meio de uma roda de pessoas e se aproxima cautelosamente, tentando entender o que está acontecendo.

Qual não é sua surpresa ao compreender o que se passa.

No centro das atenções, a senhora discursa em alto e bom tom aos passantes, que se aglomeram curiosos...

Desejo uma indenização...por perdas e danos causados pela intenção apenas, de adquirir um liquidificador nesta loja!

O gerente ao ouvir tudo aquilo, dirige-se ao vendedor e o questiona sobre o que significa aquilo tudo, pois estava tendo a maior dificuldade para acalmar a senhora.

Constrangido e completamente aturdido o vendedor apenas resmunga.

Eu que só queria ir almoçar!

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