A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Engravidei filha de dono

(Celso Manhiça

Estavam ali os dois, na fontenária. Ele estava deitado, com a cabeça no colo dela e ela passeava os dedos da mão na carapinha despenteada dele. Eram namorados há dezasseis meses. Não diziam palavra há cinco minutos. Conversa de namorados é como conversa de bebé com a mãe dele.

- Mungoni!..- Ela quebrou o silêncio.

- Hum... diz lá filha, o que foi?

Ela fez uma pausa, encheu os pulmões de ar e sussurou:

- Estou grávida!

Ele desenterrou a cabeça do colo dela, pôs-se de pé e perguntou-lhe, como se não tivesse percebido logo a primeira:

- O que disseste?

- Não ouviste, estou grávida!

Abriu-se um poço debaixo dos pés dele. Ele entrou no poço e perguntou lá do fundo:

- O que é que eu tenho a ver com isso? - Perguntou-o com cara de estúpido; a cara do ladrão que é apanhado com o cabrito nas costas e jura «pela alma do pai» que foi o cabrito que se atirou para as costas dele.

- Não sabes mesmo o que é que é que tens a ver com isso?! - Ele não respondeu. Estava muito envergonhado por ter dito aquele disparate.

Tudo a volta de Mungoni bailava. Encarou a namorada:

- Chiça pá!.. Quando é que soubeste?

- Este mês não tive período e...

- Ah!.. Isso não é nada! Você está-se a precipitar... talvés está atrasado, quem sabe?! Essas coisas atrasam às vezes...

- Minha menstruação nunca atrasa. Se atrasou é porque não vem mais.

- Como é que sabes que já não vem? Por acaso és curandeira para saber isso?

- Não me ofendas! Se eu digo que estou grávida é porque estou grávida. Eu devia ter menstruado há uma semana e depois...

- E depois o quê?

- Ontem à noite andei a vomitar e até agora estou enjoada.

- Isso não é nada. Chupas um limão e...- Calou-se quando viu a cara que ela tinha usado. A cara do pai quando quer espancar o filho que partiu um prato.

- Mungoni, eu estou grávida, por isso é melhor começar a pensar o que fazer com a barriga.

Ela falava com a arrogância que falam todas as mulheres quando sabem que entalaram um homem. Parecia contente, a tipa, feliz da vida.

- Diz lá tu, o que vamos fazer? - Mungoni passou-lhe a bola.

- Eu vou ter a criança!

Desta vez foi o céu que caíu na cabeça dele. Levou um tempo para se levantar.

- Só podes estar a brincar.

- Estou a falar muito sério, eu vou ter a criança.

Ela estava muito segura de sí. Parecia ter tudo aquilo muito bem ensaiado. Era uma Zinha fria e arrogante, uma Zinha que o Mungoni não conhecia mesmo!

- Ouve cá, Cecília, - disse-o com os dentes cerrados. - tu não vais ter a criança!

- Porquê não, diz-me lá!

- É preciso dizer mesmo!? Não temos condições para ter criança agora. Você não vê isso?

- Eu tenho as minhas condições.

- Que condições é que tu tens?

Ela calou-se. Parecia estar a fazer o inventário da sua fortuna de nada. Olhou para o céu, depois baixou a cabeça e disse, sem olhar para o namorado:

- Vai comer no meu prato.

- Isso é poesia, menina! - disse-o bastante irritado. Deus que lhe perdoasse mas apetecia-lhe dar um murro na barriga dela para desfazer a «coisa».

- Não interessa se é poesia ou não. O que interessa é que eu vou ter a criança.

- Tu és maluca, isso sim!

Mungoni afastou-se dela três passos. Se continuasse assim tão perto, havia de fazer nela as porcarias todas que lhe estavam a passar pela cabeça. Ele já tinha ouvido dezenas de estórias parecidas com aquela, noutro lugar, com outras pessoas, mas não lhe ocorreu, no momento, o desfecho de qualquer uma delas.

Decidiu usar a cabeça. Respirou fundo e encarou a namorada:

- Cecília, essa criança também é minha. Eu acho que também tenho o direito de...

- Sim, tens! - cortou-lhe - Mas eu já decidi que a criança vai nascer! (Continua... breve, breve!)

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