Estavam ali os dois, na fontenária. Ele estava deitado, com a cabeça
no colo dela e ela passeava os dedos da mão na carapinha despenteada
dele. Eram namorados há dezasseis meses. Não diziam palavra há
cinco minutos. Conversa de namorados é como conversa de bebé com
a mãe dele.
- Mungoni!..- Ela quebrou o silêncio.
- Hum... diz lá filha, o que foi?
Ela fez uma pausa, encheu os pulmões de ar e sussurou:
- Estou grávida!
Ele desenterrou a cabeça do colo dela, pôs-se de pé e perguntou-lhe,
como se não tivesse percebido logo a primeira:
- O que disseste?
- Não ouviste, estou grávida!
Abriu-se um poço debaixo dos pés dele. Ele entrou no poço
e perguntou lá do fundo:
- O que é que eu tenho a ver com isso? - Perguntou-o com cara de estúpido;
a cara do ladrão que é apanhado com o cabrito nas costas e jura
«pela alma do pai» que foi o cabrito que se atirou para as costas
dele.
- Não sabes mesmo o que é que é que tens a ver com isso?!
- Ele não respondeu. Estava muito envergonhado por ter dito aquele disparate.
Tudo a volta de Mungoni bailava. Encarou a namorada:
- Chiça pá!.. Quando é que soubeste?
- Este mês não tive período e...
- Ah!.. Isso não é nada! Você está-se a precipitar...
talvés está atrasado, quem sabe?! Essas coisas atrasam às
vezes...
- Minha menstruação nunca atrasa. Se atrasou é porque
não vem mais.
- Como é que sabes que já não vem? Por acaso és
curandeira para saber isso?
- Não me ofendas! Se eu digo que estou grávida é porque
estou grávida. Eu devia ter menstruado há uma semana e depois...
- E depois o quê?
- Ontem à noite andei a vomitar e até agora estou enjoada.
- Isso não é nada. Chupas um limão e...- Calou-se quando
viu a cara que ela tinha usado. A cara do pai quando quer espancar o filho que
partiu um prato.
- Mungoni, eu estou grávida, por isso é melhor começar
a pensar o que fazer com a barriga.
Ela falava com a arrogância que falam todas as mulheres quando sabem
que entalaram um homem. Parecia contente, a tipa, feliz da vida.
- Diz lá tu, o que vamos fazer? - Mungoni passou-lhe a bola.
- Eu vou ter a criança!
Desta vez foi o céu que caíu na cabeça dele. Levou um
tempo para se levantar.
- Só podes estar a brincar.
- Estou a falar muito sério, eu vou ter a criança.
Ela estava muito segura de sí. Parecia ter tudo aquilo muito bem ensaiado.
Era uma Zinha fria e arrogante, uma Zinha que o Mungoni não conhecia
mesmo!
- Ouve cá, Cecília, - disse-o com os dentes cerrados. - tu não
vais ter a criança!
- Porquê não, diz-me lá!
- É preciso dizer mesmo!? Não temos condições para
ter criança agora. Você não vê isso?
- Eu tenho as minhas condições.
- Que condições é que tu tens?
Ela calou-se. Parecia estar a fazer o inventário da sua fortuna de nada.
Olhou para o céu, depois baixou a cabeça e disse, sem olhar para
o namorado:
- Vai comer no meu prato.
- Isso é poesia, menina! - disse-o bastante irritado. Deus que lhe perdoasse
mas apetecia-lhe dar um murro na barriga dela para desfazer a «coisa».
- Não interessa se é poesia ou não. O que interessa é
que eu vou ter a criança.
- Tu és maluca, isso sim!
Mungoni afastou-se dela três passos. Se continuasse assim tão
perto, havia de fazer nela as porcarias todas que lhe estavam a passar pela
cabeça. Ele já tinha ouvido dezenas de estórias parecidas
com aquela, noutro lugar, com outras pessoas, mas não lhe ocorreu, no
momento, o desfecho de qualquer uma delas.
Decidiu usar a cabeça. Respirou fundo e encarou a namorada:
- Cecília, essa criança também é minha. Eu acho
que também tenho o direito de...
- Sim, tens! - cortou-lhe - Mas eu já decidi que a criança vai
nascer! (Continua... breve, breve!)