O suicida ficou entalado na roda do camião. Mas antes que se lhe rebentassem
as águas da morte, chamou o camionista e disse-lhe, baixinho, com aquela
voz de gado:
- Enterra-me com um frasco de vaselina, que é para eu me "divertir"
no inferno. Mas não é qualquer vaselina; tem que ser Claire,
porque as outras aquecem muito. E cuida lá da minha gente!
A cara do camionista parecia ter levado um tiro na barriga, a olhar assim para
o suicida, como se o suicida tivesse duas cabeças. "Há gente
que brinca de morrer e há outra que morre a brincar. Este morreu nas
brincadeiras!".
Depois da festa do enterro, tangerinas e salada, o camionista ficou "amigado"
com a viúva do suicida; rancho no fim do mês e sexo na posição
de missionário, duas vezes por semana. Os fedelhos dela chamavam o camionista
de "Tio"; o tio que lhes distribuía pirolitos e virava as pálpebras
ao avesso para entretê-los enquanto lhes subia a mãe.
Acontece que, o camionista não era casado sozinho. Para além da
esposa que casou na igreja e no registo, tinha quatro crianças do mesmo
sangue, debaixo da axila. Teve que passar a fazer part-time na sua própria
casa e fazia de homem-a-dias em casa da viúva e dos fedelhos do suicida.
O resto do tempo passava na estrada, com o rabo ao volante do ganha-pão.
As pontadas no estômago da legítima começaram a latejar
quando ela sentiu uma viragem de agulhas na linha-férrea das vidas, sua
e na dos pequenos. O marido dela andava a apertar o cinto até ao último
buraco: fez-lhes uma vasectomia aos mata-bichos e lanches e vendeu o abre-garrafas,
passando a abrir a cerveja com os dentes. E depois andou a desviar todo o sexo
que ele tinha, para a casa da viúva. Ela e os filhos, o bicho
dele, nem vê-lo!
A casa-mãe, onde o camionista tinha laços de sangue, passou a
ser a casa-dois . A legítima ainda tentou fazer implantes mamários
e diminuiu as "papas" do pescoço para segurar o marido em casa,
debalde! Endividou-se com agiotas e organizou uma festa de anos para o marido
camionista, seis meses antes do aniversário dele. O homem não
pôs lá os pés, entretido em se engalfinhar com a viúva
do suicida, que não precisava de mamas postiças nem de um pescoço
novo. E tinha lá umas coxas...
Mas depois começaram as matemáticas do fim do mês, aquilo
de dividir tudo ao quadrado. O salário dele pegou num alfinete e começou
a picar-lhe o rabo. Teve que decidir entre a mulher gorda que precisava de implantes
p'ra ser mulher e a outra que não carecia de tais suplementos. Neste
tipo de decisões, os homens são todos farinha da mesma coisa:
mudou-se para os seios da viúva.
A legítima não se conformou! São as mbuyas que levam
as legítimas ao pecado: foi a Mambone buscar o livro envenenado
que matou Mondlane e deu-o ao marido p'ra ler. "Se ele não fica
comigo, não fica com mais ninguém!". E não ficou mesmo!
A morte barrulhenta decretou-lhe um recolher obrigatório.
No dia em que o caixão de madeira ia descer ao cu da terra, as duas senhoras
cruzaram-se mesmo em cima do portão do "Lhanguene" . A legítima
olhou p'ra rival com "aquela cara", a morder o maxilar, com uma vontade
louca de lhe furar os olhos com o dedo fura-bolos. A escolhida olhou para os
lados à procura de uma pedra-cidade para partir a cabeça gorda
da legítima ou pelo menos dum pau de vassoura para lhe enfiar
no rabo até sair pela boca. Ambas tinham necessidade de se ferir gravemente.
Quando as duas soltaram as cadelas dentro de si, a assistência não
conseguiu separar. A legítima pegou na cabeça da outra e tentou
arrancá-la do pescoço enquanto a mbuya, com menos quilos no corpo,
mais estofo e jogo de cintura, tentava arrancar-lhe as mamas postiças,
para a desmoralizar socialmente.
O balanço do regabofe foi trágico para a legítima: Se não
tivessem separado a tempo, ela havia de acompanhar o ex-marido até ao
último endereço. Ficou com umas medonhas nódoas negras
debaixo dos olhos e o maxilar deslocado. Mas estava contente por ter conseguido
morder a outra no braço. Foi o que lhe disse para fazer, a curandeira
de Mambone, depois de lhe ter dado umas raízes amargas p'ra mastigar:
Você só lhe Mordes bem com os dentes; Vais ter a tua vingança!
Dito e feito: Em menos de uma semana, a mbuya morreu de raiva.