Enquanto percorria La Sebastiana em Valparaíso, não sabia se ria
ou se chorava. Era muita emoção andar de um cômodo a outro,
ou descer a tortuosa escadaria , imaginando se algum dia ele teria ali caído,
se ferido, ou talvez apenas sofrido um tropeção.... Por todos
os cantos, sentia aquela energia que, certamente, não podia faltar em
uma das diversas casas onde viveu Pablo Neruda. Da janela de um dos cômodos,
eu vislumbrava o que outrora havia sido uma grande fonte de inspiração
para o poeta. Da casa, no alto do morro, avistava-se a cidade e o porto. Afastado
do burburinho de Santiago, ali, Neruda conseguira a inspiração
que precisava. A casa, os cômodos, a decoração, os mais
íntimos pertences traziam o poeta . Sentei para assistir ao vídeo
que mostrava algumas cenas de sua vida . Declamações, entrevistas...
Tristeza e emoção tomavam conta de mim ao pensar que visitava
um museu e, por mais que tivesse a impressão de que Neruda surgiria de
repente, isso não passava de devaneio .
Continuei assistindo à filmagem. Neruda, em 1970, nomeado embaixador
na França, durante o governo de Allende. Em outubro de 1971, recebendo
o Prêmio Nobel de Literatura, e em 23 de setembro de 1973 , a notícia
de sua morte, mesclada às tristezas causadas pela queda de Allende e
o fim do sonho socialista. Já não havia Allende, já não
havia Neruda, senão em nossa memória, em nossa admiração.
Contendo as lágrimas, saí, dando, assim, vez a outros , para que
adentrassem La Sebastiana.
À saída, um cartaz afixado em uma das portas falava sobre um evento
literário na tarde seguinte, com um escritor chileno e um brasileiro.
Infelizmente, eu já estaria de volta ao Brasil.
Retornando ao hotel, senti-me envolvida na mais profunda nostalgia. Todo meu
ser , repleto de Neruda, parecia ouvi-lo declamar:
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...