Durante as comemorações das festas natalinas, visitamos Dona Priscilliana,
ex-costureira de mamãe. A conversa girou sobre seu próximo aniversário,
dia dez de fevereiro, quando completará cem anos. Está lúcida,
apenas um pouco surda, devido ao reumatismo, não anda com facilidade.
Diante de filhos, netos e bisnetos, disse não querer festa esse ano.
Um tanto surpresa, indaguei a razão, já que sempre comemoramos
em alto estilo o seu natalício. Nunca deixei de enviar o maior dos buquês
de flores, e a maioria dos amigos também, ficando a casa um verdadeiro
jardim.
Eis que Dona Priscilana diz que detesta aquele aglomerado que se forma todo
ano em sua casa, que o vozerio lhe dá tonturas, e que, de agora em diante,
será diferente: vai sair pra passear.
Consternação geral. Disse, ainda, que aquele monte de flores dentro
de casa lhe dá profundo mal-estar, pois passa uma impressão de
velório, coisa de morte, mais que de festa.
Olhei para ela e me calei. Pensei: como é surpreendente a vida. Vivemos
anos e anos agindo de forma a agradar e, subitamente, descobrimos que fizemos
justamente o contrário.
Uma vizinha, que estava participando da conversa, disse:
- É verdade. No dia seguinte ao seu aniversário, sempre vejo aquele
monte de flores caríssimas jogadas ao lixo, no quintal.
Intimamente questiono a conduta de Dona Priscilliana. Não é de
agora, aos cem, que ela faz isso. Sempre fez, segundo a antiga vizinha. Flores
ofertadas com todo carinho e que sempre paravam, viçosas, na lata de
lixo.
Quanto ao centenário de Dona Priscilliana, deixarei passar em brancas
nuvens. Flores, nunca mais!
Contudo, Parabéns, Dona Priscilliana!