A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Chega um dia que...

(Belvedere)

Almir nunca se conformara com o desaparecimento de Laura. Como era um homem que curtia sensacionalismos, meteu na cabeça que Laura havia sido seqüestrada. Esperou pelo telefonema pedindo resgate, mas os dias passaram e não houve contato. Chegou a sair em jornais, aparecer em programa de televisão, e sempre chorando, dizendo que tinham o mais perfeito dos casamentos. Acreditava mesmo em um seqüestro sem finalidade de resgate. Tanto os jornalistas insistiram que ele disse: "Temo que tenha sido levada por integrantes de uma seita fanática, adepta de sacrifícios humanos. Ela será oferecida a algum deus pagão."

Foi um alvoroço a revelação. Almir começou a ser requisitado para entrevistas em diversos jornais e programas de televisão. Um certo canal chegou a fazer um especial, simulando o seqüestro e o sacrifício de Laura tendo relação sexual com um homem vestido com penachos na cintura e na cabeça, e uivando... Almir cada dia mais excitado com o rumo que a coisa ia tomando.

Logo começou a minguar o noticiário do culto pagão, do seqüestro, e Almir voltou a vidinha de sempre.

Uma tarde, enquanto preparava uma pizza e ouvia um CD de um grupo de pagode, bebendo uma cerveja, recebeu um telefonema de Laura. Ele, atônito, perguntou:
- Mas você não morreu, não foi entregue a um deus pagão?

Aí Laura disse com todas as letras que havia sido entregue a um deus, mas não era pagão; era gostosão, quente, fazia-a sentir-se mulher, muito diferente dele que a jogava na lama constantemente, enquanto ela sempre preferira ser jogada na cama... Então, Almir disse:
- Vou confessar, Laura, eu não gosto de sexo, eu gosto mesmo é de imaginar as coisas... você transando num ritual, vários homens esperando a sua vez, te cobiçando. Que ciúme nada! Eu fazia aquilo pra ver se você se tocava e mudava seu modo de ser pra que eu sentisse prazer em nosso relacionamento. E você preferiu fugir com outro... podia ter ficado com ele por perto mesmo! Nossa vida teria sido perfeita!

Bem, não havia sido assim, porém Laura não quis explicar. Queria apenas o divórcio, falou. Almir aceitou e disse que andava um tanto mudado ultimamente. Ia a pagodes, baile funk na periferia, tomava muita cerveja, mas mulher... isso não! Mulher ele saía uma vez e pronto! Nada de problema, ora! Nenhuma saberia aceitar suas regras.

E assim acabou Almir. Essa foi a felicidade que ele encontrou para si. Pobre, rica? Não importa. Que saibamos respeitar os limites de cada um. E suas fantasias. Por mais estapafúrdias que sejam!

  • Publicado em: 11/07/2005
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