Voltando de minha sessão de fisioterapia, deparei-me com um homem em
uma cadeira de rodas, vestido com roupão de toalha. Tinha cabelos brancos,
e a ajudante empurrava-o com alguma dificuldade. Para minha surpresa, vi que
era João Carlos, um colega da época da faculdade. Não resisti
e fui conversar com ele, que me olhou naturalmente, como se me visse todos os
dias.
Comecei a falar que vinha da fisioterapia, que estava baqueada da lombar, e
ele disse que o caso dele era um pouquinho mais sério. Havia sofrido
um acidente de carro, tendo múltiplas fraturas, e agora tentava se reabilitar.
Não conseguia andar, senão com ajuda. Vinha da hidroginástica.
Olhei sua face tão calma, seus olhos tão límpidos, se não
fosse a cadeira de rodas, seria o mesmo daquela época, tirando, claro,
os cabelos brancos. Para tentar aliviar o estresse falei que meu cabelo estava
igual ao dele, bem branco. Ele deu uma risada, chamando a atenção
do pessoal que passava na rua: "Não acredito, Bel! Você de
cabelo branco? Pago pra ver!" E me chamou para ir até a sua casa.
Concordei.
É, por incrível que pareça, uma das poucas casas que ainda
existem naquela rua. Muitas plantas, mas um rottweiller veio me receber. Comecei
a gritar, e João Carlos falou: "Continua a mesma Bel. Cheia de frescuras!
Rudy não faz mal a ninguém, é meu amigão!"
E chamava o cão para si...
Entramos e logo vimos sua esposa, que eu não conhecia. Apresentou-nos
e contou que estudara comigo por um ano; embora sua área fosse outra,
algumas matérias coincidiam. E aí ele se lembrou da "cola"
que resolvi passar para ele e a professora pegou no flagrante anulando ambas
as provas. E João Carlos ria... ria que parecia estar assistindo a uma
comédia. E dizia: "Bel, ainda vejo você com aquele cabelo
todo enrolado no alto da cabeça, num rabo de cavalo estilizado, e conforme
você gritava com a professora o cabelo balançava..." Não
parava de rir! Ainda se lembrou da paquera de um monitor em cima de uma colega
nossa e eu achando que era comigo. "Você era muito prosa, Bel!",
disse ele. Eu só ria, ouvindo-o falar.
Rememorou até a formatura. A minha foi antes da dele, mas como éramos
muito colados, ele compareceu. Comentou: "Que formatura chata! Minha vontade
foi de sair logo no início. Terem chamado você para oradora foi
a pior das idéias. Parecia que tinha a língua presa, Bel! Ninguém
entendia nada que você falava." Que abuso, pensei. Por que teve um
acidente automobilístico grave, pensa que vai me esculachar assim? Porém,
logo lembrei que ele sempre teve esse estilo meio grosso e me contive.
Finalmente chegou o lanche, que a esposa deve ter ido comprar na Confeitaria
da Tuddy. Tudo de melhor. Salgadinhos, doces, refrescos, uma beleza de lanche!
Tiramos umas fotos. Claro que ele já estava todo arrumado. Bermuda e
camisa la Coste autêntica. Sempre foi vaidoso demais. Quando falei da
camisa, ele não se conteve e soltou: "Ai, Bel, estou lembrando agora
dos perfumes falsificados que você usava, crente que estava abafando.
Aquilo era uma fedentina só!"
Não agüentei. Agradeci o lanche, disse ter amado o encontro, mas
aturar João Carlos mais algum tempo seria demais para o meu organismo
que já não anda lá essas coisas.
Despedi-me e ele surpreendentemente falou: "Te espero aqui no dia dez de
dezembro, às 20 horas. Bodas de prata da gente, ok? Convidei muita gente
da época de faculdade." Aí estremeci. Diante daquele pessoal
João Carlos ficaria ainda mais agitado e com certeza se destacaria mais
contando os seus "causos".
Vim pelo caminho, minha cabeça fervia. Iria ou não? Surge a idéia
de comprar um belo presente e enviar com um cartão e nessa noite sair
com meu marido para jantar em um restaurante tailandês recém-inaugurado
na cidade.
Ao chegar em casa, decido relembrar aquele tempo. Abro um dos inúmeros
álbuns de fotografias da época e deparo-me com João Carlos
em um reveillon, na casa de Líria Maria, em plena Praia de Icaraí,
de onde podíamos ver a esplêndida queima de fogos. João
Carlos estava com uma calça boca-de-sino superexagerada e tinha os cabelos
à altura do pescoço, todo encaracolado. A camisa certinha no corpo
mostrava as gordurinhas laterais... que achado! Vou mandar ampliar a foto, embalar
com todo requinte e no dia das bodas irei sim; ainda farei um poema especial
e declamarei, e ao final abrirei o presente e mostrarei a foto aos convidados.
Sim, um final impactante é o que darei para as bodas de João Carlos.
Sinto-me empolgada para o evento. Não vejo a hora de chegar o dia dez
de dezembro!