Foi difícil encarar Leonora sem sentir um aperto no peito.
Recuei mentalmente mais ou menos três décadas e a vi resplandecente,
cantando e tocando violão. Sua voz era cristalina (semelhante a de Zizi
Possi, para que tenham uma idéia). Falávamos sempre que um futuro
promissor delineava-se para aquela bela jovem.
Lembro-me, no entanto, de seus amores platônicos por compositores famosos.
Muitas vezes eu ficava atônita com os nomes que ouvia. Puro devaneio de
Leonora...
Além de cantora, era exímia compositora. Todos na família
eram músicos, e dos bons.
O tempo foi passando e as coisas não fluíam. O que se falava é
que passara a viver reclusa, não cantava mais e dedicava-se unicamente
a seus gatos, cães e tartarugas. Nunca mais a vi, de modo que cristalizou-se
em minha memória a Leonora fantástica, e não essa que agora
eu mirava e não conseguia enxergar, acreditar...
Não havia casado, sequer experimentara namoros em sua vida. Excluíra-se
de tal forma do mundo que nada consegui dizer ao encará-la naquele inesperado
encontro. Ela sorriu quando me viu e mil rugas despontaram naquela face ainda
jovem, segundo meus padrões. Envelhecera precocemente. Uma matrona.
Com artrose no joelho, apoiava-se em uma bengala. Dizia estar indo ao médico
e não ter infelizmente tempo para conversar.
Tudo que eu sei sobre a vida dela foi-me narrado por Angelina, sua prima.
Essa seguiu como cantora e flautista. Sempre assisto às suas apresentações
em uma casa noturna aqui do bairro. Está fazendo uma carreira bonita, como
esperávamos que fosse a de Leonora...
Penso que ainda há tempo de fazer Leonora despertar... Surgiu-me uma idéia
luminosa: convidá-la para o próximo sarau que será aqui em
casa. Temos um grupo de poetas e músicos, e mensalmente organizamos saraus
que são um sucesso na cidade. Já estamos ficando famosos! Sei que
para não vir, ela falará da artrose, que não tem mais voz,
entre outras mazelas. Mas quem sabe?
É a única idéia que tenho para que ela não saia dessa
vida sem ao menos ter tentado vivê-la.