A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A Camaleoa

(Belvedere)


"leitos perfeitos, seus peitos direitos me olham assim
fino menino me inclino pro lado do sim
"
( in Camaleoa - Caetano Veloso)

Vivia na internet, como se não houvesse vida fora dos limites que a máquina impõe. Tinha por nick "Sybil Crabs, a camaleoa". Por que camaleoa?, perguntarão vocês. Eu direi: para se moldar a todas as situações que o mundo virtual oferece. Podemos ser excelentes poetas; plagiando, ou roubando textos. Podemos ser lindos; pegando imagens em sites longínquos, e nos apoderando delas, sem nenhum pudor. Através desse virtualismo, viramos juizes, algozes, ou anjos.

Assim era Sybil Crabs, a camaleoa. Havia semanas que postava textos divinos, que tempos depois algum leitor mais dedicado descobriria serem de antigos escritores, ou mesmo de escritores modernos, mas pouco conhecidos pela maioria. As descobertas de suas fraudes nunca eram expostas, ficando em mensagens privadas, (pvt) entre amigos, fazendo assim, a fama da camaleoa crescer. Sentia-se acima do bem e do mal. Quando tecia críticas aos textos que pegava nas listas, dissecava-os, de forma mortífera. Sabia escrever, só não tinha talento para prosas ou versos.

A coisa tomou um rumo diferente quando, certa vez, usando um poema de SAFO, colocou seu nome abaixo. Aí, Jair Paulo, um respeitado escritor no meio virtual, sentiu que era tempo de tomar uma posição e sair de sua inércia. Interpelou-a corajosamente. Mostrou quem foi Safo, a época em que viveu, e ainda enviou outros poemas para que visse que não falava com qualquer pessoa. Nunca recebeu resposta, nem ela parou de enviar suas fraudes.

O tempo foi passando, e, há cerca de oito meses, ela enviou a alguns amigos mensagem na qual dizia estar doente, deprimida, cansada da vida.

Jair Paulo, então, decidiu que era a hora de desmascarar Sybil Crabs, a camaleoa. Ficou quatro meses junto a seu amigo e webdesigner Lippe B., procurando pela internet a dona do rosto com o qual Sybil fazia figuração. E a farsa foi descoberta. Exultaram! O rosto vinha de um site americano e a moça era uma modelo fotográfico. Decidiram fazer um minucioso trabalho, mostrando algumas de suas fraudes. Enviaram o endereço do site do qual tirara sua imagem à maioria das listas de literatura da net, aos sites seletivos, e aos contatos pessoais. A mensagem era enfática: Sybil Crabs, a camaleoa, nunca existiu. Narraram, implacavelmente, toda sua saga .

Exatamente um mês depois, todos receberam a mensagem de uma suposta amiga, na qual havia a informação: "Faleceu, aos trinta anos, a grande escritora e crítica literária Sybil Crabs, vítima de acidente automobilístico . Seu e-mail será desativado. Guardem as boas lembranças que ela deixou. Um abraço. Helena." A mensagem vinha num belo papel de carta, onde havia uma imagem de um campo florido e o fundo musical Tears in heaven.

Sei que uma legião de viúvos lamentou a partida da "bela e profícua escritora".

Sybil Crabs, a camaleoa, já não faz parte do universo virtual.

Que nome e enredo esse ser humano, decididamente multifacetado, terá escolhido para sua nova empreitada?

  • Publicado em: 17/04/2005
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