A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Marie

(Belvedere)

Confesso que sentia inveja de seu nome. Parecia nome de artista. Essa inveja se estendia ao seu estilo de vida. Moça livre, criação européia, contrastando com a nossa, puramente provinciana. Com treze anos, ela anunciou que "deu". Fiquei boquiaberta. Como podia ter aquela coragem? Era uma verdadeira heroína na minha concepção.

O pai, Jean Pierre, adorava promover festas para a garotada. O que mais aumentava o charme daquela família era a naturalidade com que viam os hábitos sociais. Nas festas, Jean Pierre colocava cigarros nas bandejas. Sabia que a turma fumava escondido nos banheiros. Que não fizessem isso escondido dele, ora!

Therese era a mãe de Marie. Não admitia ser chamada de senhora. Dizia: "Senhora está no céu!". Nas festas era ela quem preparava praticamente tudo e apenas os convites ficavam sob encargo meu e de Marie. Só convidávamos pessoas que pudessem abrilhantar as festas. Eram famosas na cidade as festas de Marie...

Em uma delas, meu atual companheiro, Leonardo, havia sido convidado. Ao chegar me apavorei. Na festa estava Beto, com aqueles olhos verdes, e eu apaixonadíssima. Pedi aos "comparsas" que dessem um jeito de despachar Leo para outra festa. Ele insistiu, era apaixonado por mim desde aquela época, vejam só. O pior de tudo é que ainda hoje lembra-se do episódio.

Tristeza era quando eu e Marie brigávamos e ela decidia dar festas para me desesperar. Eu ficava a noite inteira acordada na janela, ouvindo as músicas, as risadas e imaginando o que estaria ocorrendo. Quem estaria com quem... Que dor-de-cotovelo, nossa!

Um dia apareceu o Plínio, que sequer era conhecido na redondeza. Surgiu do nada, e antes do prazo previsto acabou com a nossa efervescência, com a nossa alegria, com a nossa festa. Levou Marie para morar com ele no Rio de Janeiro. Rapazinho medíocre, o Plínio. Nunca fui com a cara dele.

Ainda hoje, quando o vejo aqui em Niterói, com sua terceira esposa, finjo que não o conheço. Continua com a mesma cara. Aquela cara indecifrável...

Quanto a Marie, nunca mais. Ela atravessou a barca para sempre. Quisera saber por onde ela anda e ouvir suas histórias. Deve ser uma senhora bem moderna, assim como eu. Poderíamos formar uma dupla novamente, cheia de purpurina. Ah, tempo feliz!

  • Publicado em: 11/04/2005
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