Sempre fora conservadora. Lembro que, em plena juventude, usava roupas da mãe,
achando que ficaria mais elegante e distinta. Chamava atenção justamente
por esse contraste. Enquanto as amigas abusavam nas modernidades, ela fechava-se
à moda antiga. Uma verdadeira senhora, aos dezesseis anos. Assim era Gisela.
Há muitos anos não a via e esta semana surpreendi-me, quando entrava
em um shopping para trocar uma sandália que não correspondera às
expectativas.
Gisela mantinha-se conservadora, porém bastante expansiva.
Aos quarenta e cinco anos, ainda não encontrara o homem de sua vida, disse-me
a princípio. Perguntei o que fazia na vida. Ela narrou uma série
de atividades. Trabalhava como consultora de marketing, no Rio de Janeiro.
Amava seu trabalho. Nos finais de semana ia a teatro, cinema, shows, restaurantes
finos, entre outras coisas. Ganhava muito bem. Vivia com conforto. Todo ano viajava
para o exterior. Nada a reclamar sob esse aspecto.
Senti, no entanto, um olhar nublado, como se escondesse coisas que julgava inconfessáveis.
Ela, então, convidou-me para ir a um café, situado em uma livraria
badalada aqui da cidade.
Sentamos e ela narrou-me o segredo. Quando adolescente, apaixonara-se por Manoel
de Oliveira, filho do dono de um grande comércio da cidade. Namoraram
durante oito meses, quando ele optou por fazer curso universitário em Portugal,
dizendo que assim poderia planejar um futuro melhor para ambos.
Após um ano e meio cursando medicina, conheceu uma moça e apaixonou-se,
casando antes do término do curso. Isso vinte anos atrás. Nunca
mais tiveram contato. Soube do casamento através de uma carta, na qual
Manoel falava de sua felicidade e de seu amor pela noiva, pedindo a ela muitas
desculpas e desejando que um dia encontrasse também um grande amor.
Um baque para ela, a família e os amigos.
A paixão nunca se extinguiu, e, hoje, mesmo ele morando em Lisboa, casado
e com cinco filhos, ela ainda aguarda o reencontro.
Pergunto como pode nutrir essa esperança se está casado, com filhos
e tanto tempo se passou. Ela diz que todos que vão a Lisboa trazem notícias
dele, e quando isso ocorre ela tem um forte pressentimento de que ainda ficarão
juntos. É como se através das notícias viesse um pouco do
espírito de Manoel. Coisa de Deus mesmo!
Levanto, olho seu rosto, ainda muito belo, mas a tristeza o vincara como a dizer
que era sempre um falso sorrir... um sorriso cansado de tanta espera.
O que poderia dizer à Gisela, tão certa sobre o reencontro e a concretização
de seu sonho de amor com Manoel de Oliveira?
Beijei seu rosto, dei meu telefone e pedi que me ligasse, pois eu também
adorava teatro, cinema, shows e restaurantes finos...