- Ai, Jesus, isso não podia acontecer - dizia Marina entre lágrimas
e soluços incontidos. - Antônio Carlos não pode ser tão
irresponsável . Não bastava já ter um filho e sequer arcar
com as responsabilidades e já me aparece anunciando todo prosa que vai
novamente ser pai?
Dora, que a ouvia, permanecia calada. Sabia da luta daquela amiga que pagava
mensalmente a pensão alimentícia que cabia a ele, como pai .
- Que falta de consciência! dizia Marina - É por isso que a vida
anda assim. Crianças vêm ao mundo sem a mínima responsabilidade
por parte dos pais, que não pensam na educação, e o resultado
é a proliferação da criminalidade entre adolescentes. Aonde
vamos parar?
Há três anos viviam bem, contando com o emprego do pai de Antônio
Carlos, que era representante comercial. Quando morreu, vitimado por um enfarte,
as coisas mudaram. O dinheiro escasseou, pois o grosso vinha da comissão
das vendas. Restou a pensão irrisória, que com a habilidade de
Marina melhorava, pois os salgados e doces que fazia para um buffet da zona
sul eram bem valorizados. Foram, no entanto, obrigados a se adequar aos novos
tempos, porém para Antônio Carlos era extremamente difícil
se despojar do garoto "bem de vida" e se vestir de classe C. Gastava
o que não podia, fingia ter o antigo status e o que conseguia era um
acúmulo de dívidas que desesperava sua mãe.
Algo, porém, mudara. Agora, dizia-se apaixonado por Alina. Queria se
casar. Como, se não tinha emprego? Foi quando, por obra divina surgiu
Cláudio Bruno, um amigo do tempo de infância, que, agora, era comerciante
bem sucedido. Ofereceu a Antônio Carlos um excelente cargo, pois a despeito
de suas malandragens, tinha uma inteligência privilegiada. Em pouco tempo,
tornou-se o braço direito de Cláudio Bruno. O casamento aconteceu
, a criança nasceu e tudo corria muito bem, até que começou
a sumir dinheiro na firma. Tal fato nunca ocorrera, e um clima de desconfiança
se instalou onde antes havia tranqüilidade. A ocorrência foi colocada
às claras em reunião. Dois investigadores entraram para a firma
como se fossem balconistas, para observar os funcionários.
Embora tivesse salário acima da média, Antônio Carlos sempre
surpreendia pelos seus gastos, e, por dedução, passou a ser o
mais visado.
Uma tarde, foi flagrado embolsando dinheiro. Estava por algum tempo no balcão
e, julgando-se a salvo de olhares, pegou duzentos reais. Foi levado até
o patrão, e cabisbaixo, sentou-se diante do mesmo, sem conseguir fitá-lo.
Era grande a vergonha que parecia sentir.
- Antônio Carlos, é isso que mereço, por ter te proporcionado
uma chance que em lugar algum teria? Não pensou na família, não
pensou na vergonha, não pensou na tragédia que poderá ocorrer
com uma demissão nesse momento? Desgraçado, filho da puta!
- Cláudio, perdão! Ando desesperado. Acostumado com minha vida
no tempo de papai, me é custoso entrar nesse padrão e faço
muita coisa impensadamente. Pelo amor de Deus, me dê uma nova chance.
Cláudio refletia; embora sentindo muita raiva, como jogar três
pessoas no fundo de um poço?
- Darei uma nova chance, não por você, mas por sua esposa e filha.
O que será delas com você desempregado? Temos por ambas um profundo
afeto e nos julgamos também responsáveis por essas vidas. Não
torne a errar. Não haverá uma segunda oportunidade.
Teresa Cristina, esposa de Cláudio foi contra a decisão e, como
era sócia, quis pessoalmente resolver a demissão, sendo impedida
por Cláudio, o que gerou atritos entre ambos.
O tempo foi passando, até que próximo ao Natal, Antônio
Carlos foi novamente flagrado embolsando noventa reais. Foi levado a Cláudio
e diante dele disse :
- Cláudio, perdão! Minha filha tem alergia a vários tipos
de leite, e tenho gasto muito para que ela se adapte a algum. O aluguel está
pesado, preciso desse trabalho, me dê nova oportunidade. Juro que não
errarei mais.
Cláudio disse que dessa vez não decidiria . Entregaria o caso
a sua esposa, Teresa Cristina, conhecida por sua posição firme,
justa, e decisões enérgicas.
Diante de Teresa, Antônio Carlos ficou cabisbaixo e chorou . Ela não
titubeou e chamou-o de ingrato, e irresponsável. Disse que tinha nas
mãos a vida dele, e isso significava ter também uma espécie
de bomba-relógio. Pediu que levantasse a cabeça e olhasse para
ela, e disse:
- O que fará se eu o demitir agora ? Como conseguirá um emprego
no qual seja valorizado como aqui? Sabe que, em outro lugar, receberá
o salário mínimo, que sequer paga seu aluguel? Por que utiliza
sua inteligência para arquitetar o mal, ludibriar os que te dão
a mão ?
Mais uma vez ele tentou falar sobre suas dificuldades. Teresa disse que não
desejava ouvir mais nada.Ele que a ouvisse. E disse:
- Nada decidirei, pois agora os funcionários da firma terão poder
decisório na questão. Foram ludibriados por você, ficaram
sob suspeita por sua causa, e tão logo acabe o ano, no primeiro dia útil,
sua vida aqui, será definida. Tenha um Natal compatível com a
sua consciência. Sinto pela sua esposa e filha. Se decidirem pela demissão,
será apenas a constatação de que podemos semear à
vontade, mas teremos sempre a obrigação da colheita.