A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A JOVEM SENHORA

(Belvedere)

Ilka gostava muito de reunir os amigos para seus famosos saraus. Naquela noite, seria um sarau especial, diferente. Ela comemoraria vinte e cinco anos de casamento com Carlos Humberto. Os poetas, seresteiros, cronistas, todos se reuniriam no aprazível local escolhido para a comemoração: a casa de praia do casal, em Búzios.

Zulma iniciou o evento homenageando o casal. Contou em pequenas linhas o primeiro encontro entre Ilka e Carlos. Foi comovente. Ela dava uma entonação que chegava a arrepiar. Até as filhas de Ilka, que não são chegadas a esse tipo de evento, pois gostam mesmo é de heavy metal, ficaram assistindo. E, mais que isso, aplaudindo.

Em dado momento, Ilka deu uma informação sobre nota publicada na coluna social do jornal de bairro. A colunista dizia que ela comemoraria vinte e cinco anos de casada e que tinha quarenta anos. Ela consertou, dizendo aos presentes que tinha 51. Foi o que bastou para Célia Helena se levantar e no meio do salão perguntar: “Quantos anos tenho?” Todos ficaram atônitos com aquela pergunta lançada ao ar. Coisa sem graça. Carlos Humberto foi logo dizendo não gostar desse tipo de pergunta, pois certa vez, em um episódio semelhante, dera dez anos a mais para a mulher e a mesma cortou relações com ele. Célia Helena insistia, agora indo de um a um, apontando o dedo e perguntando enfaticamente: “Quantos anos tenho?” Cada um mais sem graça que o outro tropeçava na resposta. Que situação mais grotesca, pensava eu.

Com a insistência, Carlos Humberto diminuiu em doze anos a sua impressão e tascou: “Cinqüenta e oito!” Aí começou a lavagem de idade... Cada uma dizia a sua, muitas sob comoção geral, do tipo “pensei que fosse bem menos!” ou “poxa, não parece!”

Achei engraçado, pois todas pareciam ter até mais do que diziam. O ser humano sabe fingir requintadamente. E mexendo com idade há que se ter um total domínio para não ferir suscetibilidades. Ao final da rodada, não tendo sido massacrada pela realidade que aparentava de fato, a mesma, cheia de autoconfiança, declarou: “Tenho sessenta e sete anos!” — Ihhhhhhhh! Todos fingiram uma surpresa. E ela ria, crente que estava abafando. Abalou Bangu!

Na realidade parecia ter setenta anos... mas o que fazer? Nessa questão de faixa etária, as mulheres são um caso muito sério. Há até o caso da jornalista de TV que sob nenhuma hipótese revela sua idade...

Na minha opinião, cada idade tem seu encanto, seu brilho próprio. A adolescência é uma coisa gostosa, mas sofrida. Vamos amadurecendo e à medida que os anos avançam adquirimos experiências, encantos e... rugas! Mas o que tem isso? Se conservamos a graça de nosso sorriso, a alegria de viver em harmonia com esse universo perfeito, em quê pode estragar a nossa idade cronológica?

Lembro-me de bisa que, aos noventa e quatro, era uma garotinha com aqueles vestidinhos de chita. Quanta alegria guardava dentro de si, embora vivesse a distribuí-la. Era um manancial!

Eu? O quê? Quer saber quantos anos tenho? Não sabe que nunca se pergunta a idade de uma mulher? Que falta de educação! Tenho a idade que aparento.

— Quantos anos você me dá?

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