A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Que visão!

(Belvedere)

Quando a vi, de costas, não contive a admiração. Segui-a por alguns minutos e peguei minha agenda , no intuito de anotar todos os detalhes. A saia marcava seus quadris e deixava à mostra a cintura bem delineada. Que beleza! Tinha que registrar com minha câmera digital aquela cena. Continuei a segui-la, anotando com detalhes as sutilezas que encontrava em cada cantinho e, até próximo a seus pés, havia o que ser registrado. Subitamente, ela olhou para trás e me viu com a câmera. Arregalando os olhos, perguntou o que fazia eu. Sorri. Disse que era escritora e fotógrafa. Por sorte, tinha o livro Com licença da Palavra e uns recortes de jornais falando sobre os eventos do Músicos recebem poetas. Conversamos por alguns segundos e ela continuou o caminho, dizendo que, infelizmente, não tinha tempo para ver os recortes direito, pois estava superatrasada para pegar seus filhos no colégio. Seu nome era Tesy. Um nome sutil, pensei.

Continuei a segui-la, pois ainda não havia registrado tudo que desejava. Faltava a parte final. Ufa! Concluí o trabalho, sentei-me em um banco junto a algumas senhoras idosas e comentei sobre o ocorrido. Fiquei de retornar para bater papo com elas, pois entendiam demais sobre algo que tomava meus pensamentos naquele momento.

Há muito meus olhos não se enchiam de cobiça como naquela tarde...

Que saia de crochê maravilhosa! Tinha umas sete cores em tons dégradé. Começava num verde escuro à altura da cintura e descia em variadas nuances. Os pontos artísticos foram minuciosamente desenhados por mim, para que não me perdesse quando fosse confeccionar aquela obra-prima, que me fazia, como uma boba, sair atrás de uma mulher e, ainda por cima, fotografá-la.

Numa butique, aquela saia custaria uma fortuna!

Afinal de contas, vovó me ensinara crochê para quê?

Fui até a loja de linhas procurar todos aqueles tons e, após três infinitas horas, consegui acertar.

Cheguei em casa e lembrei de vovó. Ela me ajudaria a iniciar e terminar a saia. Nunca consegui iniciar e terminar um trabalho de crochê. Chamei-a em pensamento e senti como se ela me sorrisse, dizendo: - Agora a coisa é com você! Também sorri, sem nostalgia, apenas com uma saudade gostosa e parti para o desafio com minhas agulhas e aquele amontoado de linhas.

Já tenho planos para o reveillon: Uma bela saia, em tons quentes, dégradé e um top pra lá de sensual. Meu corpo, tonalizado com "jet-bronze", barriguinha sarada com quinhentas abdominais diárias e drenagem linfática. Ah, ia-me esquecendo: vou passar o reveillon em um navio! Très chic!

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente