Ando tendo sérias dificuldades de relacionamento com minha amiga Aretuza.
Tudo começou após sua cirurgia plástica facial. Ocorre
que, agora, ao olhar para ela vejo duas pessoas: um lado da face é Are
e o outro, Tuza. Isso nunca me ocorrera antes, acostumada que sou com cirurgias,
lidando na área há mais de vinte anos. Atualmente cirurgia plástica
é procedimento seguro, os médicos superatualizados... O que houve
com Aretuza para ficar com essa face ambivalente?
Ao conversar com ela, um lado me sorri enquanto o outro é triste. Um
lado me diz sim enquanto o outro nega. Sua face divide-se como em uma máscara,
cujo lado alegre contrasta com o lado oprimido. Olho seus lábios: um
lado sorri e o outro é um esgar. Seus olhos, antes interessados em tudo,
agora apenas um se concentra, enquanto o outro se dispersa...
Não sei mais como agir. Ela já notou meu desconcerto, minha falta
de elogios, já que sou pródiga nisso, embora sincera. Como dizer
que está bem? Tem horas que penso que o melhor seria me afastar, pois
o fato anda me desequilibrando emocionalmente. Sempre tive em Aretuza uma pessoa
centrada, à qual confiava meus mais íntimos problemas. Como fazê-lo
agora? Are dirá uma coisa, sorrindo, os olhos levantados, e Tuza negará
com o vinco na testa, a boca caída... Ufa! Decididamente é um
caso incomum. O que terá ocorrido?
Não tenham medo de plástica, pelo amor de Deus! Acabo de fazer
uma na mama. Saiu superbem. Plásticas de face andam naturais demais também.
Aretuza deve ter sempre tido esse lado escondido, e a cirurgia foi sua libertação...
Chego a pensar nisso. De fato, internou-se para um lifting, segundo ela. Informou-me
até a clínica e o número do quarto. Não fui visitá-la
e só a vi quinze dias depois quando Are me sorriu e Tuza fechou a cara...
Não é possível que tal fato me ocorra. Aretuza sempre
foi crítica. Notava um simples vinco que eu tinha entre as sobrancelhas,
e retirei com aplicação de botox, como não nota agora que
ela possui duas faces?
O que será de seu marido Osvaldo? Como conseguirá lidar com duas
mulheres instaladas na mesma face?
Ai, Deus, estarei bem? Será tudo isso uma alucinação?
Aretuza está bem e eu é que não estou?
Olho as fotos do réveillon, antes da suposta plástica, e a vejo
sorridente. Os lados da face simétricos, olhos vivos, lábios cheios
e com gloss. Brilhando... brilhando...
Começo a gritar que quero Aretuza de volta. Grito sem parar.
Minha irmã correndo consegue marcar consulta com o Dr. José Antonio,
um psiquiatra superdedicado que certamente resolverá esse problema que
está definitivamente me enlouquecendo.
Espalho todas as fotos que tenho. Várias fases de minha vida, sempre
com Aretuza fazendo parte delas: casamentos, batizados, festas diversas... Ela
sempre emoldurando os dias com alegria, beleza, desenvoltura.
Em minha mente, a invasão da nova imagem de Aretuza se sobrepõe
às fotos que tento apreciar... Um mal-estar me domina e começo
a gritar convulsivamente: Quero Aretuza de volta!
Sinto uma picada no braço e vejo subitamente Aretuza me sorrir daquele
jeito que sempre gostei...