A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O LANCHE DA TARDE

(Belvedere)

Imersa na leitura de O feitiço da lua, de Márcia Frazão, e na ânsia de chegar ao final das excelentes narrativas da autora, sem mais nem menos me vejo à mesa do lanche na casa de minha avó.

Enquanto bisa prepara os bolinhos de chuva, sinto o cheiro de café sendo coado, o pão quentinho, e eu a passar a manteiga que se derrete de forma lânguida. Conversa vai, conversa vem, e vejo vovô risonho, com sua bengalinha. Chegara cedo do trabalho para comemorar o evento.

Meus tios se juntam, minhas tias chegam trazendo cada uma um tipo de iguaria, para que seja um lanche inesquecível. Vovó aproveita para servir licor de jenipapo, pois nunca perde a chance de mostrar seu talento nos diversos licores que prepara com carinho e esmero. São sempre elogiadíssimos. A toalha da Ilha da Madeira que cobria a mesa fora trazida por Tio Jalmir. Linda.

Que alegria! Há quanto tempo não via essas pessoas. Andavam tão sumidas. As vozes chegavam me alegrando e a minha vontade era a de absorver tudo de forma a nunca mais deixar o tempo levar aquele momento mágico.

Bisa cisma em dançar o vira... vovó a contém, como sempre! Eu sorrio, e parece que o tempo vai congelar, tamanha a felicidade que me invade o coração.

Sinto, então, um solavanco em meu corpo e acordo com uma saudade imensurável me apertando o peito e pedindo que vovó e bisa me resgatem por alguns minutos. Aguardo, convicta de que o tempo-espaço é algo difícil de se entender. Elas virão.

O tempo vai passando...

Ouço as buzinas dos carros nas ruas, músicas que chegam das casas vizinhas, falatórios...

Vem, então, o gosto amargo do pão quentinho não comido, do bolinho de chuva, do café...

Onde ficaram os risos, as conversas, os sonhos daqueles que jamais tornarei a ver?

Como pode doer a saudade!

  • Publicado em: 08/06/2004
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