A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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BERNADETTE

(Belvedere)

Quando o chefe de família morreu e seis meses depois a mulher partiu vítima de uma trombose, a família numerosa ficou sem saber para onde ir. Como se criariam as seis crianças? Não havia sequer uma entre as seis que pudesse suprir a condição de mais velha, que estivesse apta a cuidar dos demais. Não. Eram crianças que nada sabiam do mundo e viviam sob cuidado daquela mãe, e mais apegados a ela ficaram após a morte do pai. Só tinham ela. Como pôde morrer e deixá-los tão sós?

A decisão quanto ao futuro das crianças partiu de uma tia, por sinal a mais velha da família, que achava que tinha as mais perfeitas soluções para os casos aparentemente mais difíceis. A solução foi separar as crianças. Cada qual foi para um lado. Três foram para um lugar e nunca mais foram vistas pelas demais. Restaram Bernadette, Terezinha e Maria Gorette. Sim, a família era católica fervorosa e as moças tinham nomes de santas.

Bernadette foi entregue à casa de uma prima onde passou a cumprir religiosamente as funções de babá e cozinheira, porém reservara um horário para estudar à noite. Será sobre ela a nossa conversinha.

Nunca fora reconhecida como parente naquela casa. A ela qualquer liberdade seria vetada e logo sentiria onde era o seu lugar. Jurou que não levaria essa vida. Que lutaria para ser alguém, ter seu espaço à custa de seu próprio esforço.

E o tempo voa...

Encontro Bernadette quando procurava uma massoterapeuta de bom nível. Ela apareceu e aos poucos foi ganhando a confiança e o amor de todos os clientes. Moça bonita, educada, e lutando por sua sobrevivência. Chegou a fazer nome na profissão e não lhe faltava clientela. Muitas vezes era obrigada a dispensar alguém, pois não tinha tempo para atender a tantos chamados. Morava sozinha em uma casa alugada e tinha por companhia a cadela Kyra.

Aos 35 anos, ela ainda não havia encontrado o amor de sua vida. Tinha algo nela que atraía homens estranhos. Espécie similar a vampiros. Sugavam sua energia e seus bens materiais. Nada ofereciam a não ser a presença física.

Não entendíamos como eram freqüentes na vida de Bernadette os tais tipos.

Quando conheceu Marlon, achou que as coisas mudariam. No sexto mês, separaram-se porque ele nada fazia além de assistir TV, comer e dar ordens. Ela expulsou-o de casa e fez de tudo para que desaparecesse de sua vida. Difícil. Ele havia se acostumado àquela vida boa, à-toa!

O tempo passa e Bernadette envolve-se com vários tipos semelhantes. Carma? Mas o carma a gente pode mudar. Ninguém vem marcado pra sofrer.

Eis que no réveillon ela conhece Binho e apaixona-se perdidamente. Sente que ele é diferente. Já estão morando juntos, mas todo dia quando chega em casa lá está ele, vendo TV, comendo e dando ordens. Trabalha, mas o dinheiro não aparece. Bernadette continua a sua lida. Surpresa... um bebê a caminho! Tomara todos os cuidados. Digo a ela que é Deus quem fala através dessa criança. Imediatamente Bernadette sente que é uma benção e que Binho fora apenas um instrumento para que esse ser viesse ao mundo. Nada tinham em comum. Pede a ele que se vá....

Bernadette, afagando a barriga, diz: "Não preciso de homem algum... a não ser que o que trago aqui dentro seja um..." E sorri, cheia de felicidade.

Deita no sofá da sala, rememora todas as perdas e sente que é uma mulher de fibra. Nada a fará perder suas diretrizes de vida.

Dois anos depois, encontramos Bernadette em uma bela casa, em um condomínio da Praia das Algas. Seu lindo filho, Pedro, brinca na grama verde e bem-cuidada.

Vejo que Kyra toma conta da casa e me recebe efusivamente. Um homem bonito e grisalho cuida do jardim. Ao me ver olhando para ele, Bernadette sorri e diz que ele está fazendo bonsai. Seu nome é Marcos Vinícius, o pediatra de Pedro. Conheceram-se em uma das consultas e acabaram por se apaixonar, casando em três meses. Homem bom, carinhoso, assumiu a paternidade de Pedro.

Sorrindo, ela alisa a barriga e diz: "Agora é a vez de Mariana..."

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