Estava aguardando a chamada para um exame, em uma clínica radiológica,
quando dou de cara com Charles. Há mais de cinco anos não nos
víamos e ele fez o maior alarido. Falando muito alto, dizia: "Você
de ruiva virou loura? Tá muito gatona!" Eu meio sem graça,
sozinha, nem sabia o que dizer. Recusava-me terminantemente a falar sobre recentes
problemas em minha coluna. Deixei que as lamúrias ficassem apenas com
ele. Perguntei, claro, o que fazia ali, já que parecia tão bem
disposto. O que me narrou até agora está me incomodando. Acredito
ou não?
Contou-me que após consultar-se com um cardiologista o mesmo alertara
sobre as altas taxas de colesterol e triglicérides que constavam nos
seus recentes exames. Segundo o médico, tal fato aliado à vida
sedentária que levava e mais o excesso de peso constituía-se em
um perigo, principalmente em sua faixa etária. Ele não dera importância.
Continuou a comer torresmo, rabada com agrião e os camarões fritos
na manteiga.
Uma certa tarde, sentindo-se tão bem caminhando, decidiu correr para
testar sua aptidão física. Ora, tinha apenas 45 anos, não
estava em faixa de risco coisa nenhuma, pensou. E começou a correr. Até
que viu tudo escurecer à sua frente e, quase caindo, entrou em uma loja
e deitou-se. Várias pessoas vieram acudi-lo. Minutos depois viu-se rodeado
por coroas de flores e caixões de vários estilos. Choque! Havia
morrido... Então era exatamente como diziam. A gente podia ver tudo que
se passava ao redor na hora da morte, tudo dependia de nosso estilo de vida...
Ai, desespero!
Subitamente, ouve alguém chamando "Charles, Charles!", e então
consegue aos poucos visualizar Helena Trindade, bancária, que trabalhava
nas proximidades de onde estava caminhando. Ele sabe que ela não está
morta. Gritando, descontroladamente, diz:
- Onde estou? Quem são vocês?
E Helena responde:
- Calma, Charles, você entrou desmaiando na funerária Morte em
Flores. O pessoal te acudiu e te deixou deitado sobre essa mesa.
Apavorado, Charles disse o que sentira, sob a risada geral dos funcionários.
Prometia agora a si mesmo levar a sério as recomendações
do cardiologista, considerando o caso um aviso da Providência.
Assim me narrou Charles a razão de ali estar fazendo rigorosos exames,
já que tudo indicava obstrução de coronárias.
Vim embora rindo. São os famosos casos tragicômicos. Diante dele
senti meu problema pequenino. E, a bem da verdade, estou praticamente com a
coluna zerinho! Tão cedo não quero saber de clínicas, exames
e muito menos de casas funerárias!